terça-feira, 28 de abril de 2015

Cisões do futebol carioca - parte 4.2 - A paz...

Chegamos a 1937 e o futebol brasileiro vivia uma crise sem precedentes. A divisão iniciada nos começo dos anos 30 se aprofundara por todas entidades ligadas ao futebol no Brasil. Uma verdadeira guerra política era travada entre a CBD e a FBF (Federação Brasileira de futebol). Muito mais que uma briga entre amadores da CBD e os profissionais da FBF, a disputa girava em torno do controle do futebol brasileiro.
Aos poucos a batalha nacional travada entre a CBD e a FBF vai sendo vencida pela segunda. Muitos clubes vão paulatinamente migrando das ligas ditas amadoras para as ligas profissionais ligadas à FBF.

No Rio e Janeiro, em julho de 1937, o Bangu mostra descontentamento com a FMD e migra de volta para a LCF. As transferências do zagueiro Natal e do goleiro Talladas respectivamente do Internacional do Rio Grande do Sul e do Galícia da Bahia, para o Flamengo, time carioca filiado à LCF e portanto à FBF, foi dificultada ao máximo, atrasando a estreia dos dois jogadores, pelo órgão governamental que fiscalizava tais operações (Censura Theatral) por conta da forte influência da CBD.

Em meio a toda essa crise e disputa política, os presidentes do Vasco da Gama (Pedro Pereira Novaes) e do América (Pedro Magalhães Corrêa), anunciam uma união entre os dois clubes com a finalidade de dar fim à cisão do futebol carioca. De início, a novidade foi vista com desconfiança, afinal não foram poucas as tentativas anteriores de pacificação que não deram certo. Mas aos poucos o projeto foi tomando ares diferentes de seus antecessores e tornou-se real com a assinatura do pacto entre os dois clubes e o apoio dos demais grandes clubes da LCF (Flamengo e Fluminense). O Botafogo, afiliado da FMD e alinhado com a CBD, de início não se mostrou muito favorável, mas teve que se conformar juntamente com a CBD frente ao grande apoio popular e da mídia, ávidos por voltar a ver os clássicos cariocas.

O pacto entre rubros e cruzmaltinos previa a criação de uma nova entidade no futebol carioca, à qual todos os grandes clubes da cidade estavam convidados a entrar como membros fundadores. Com a criação dessa nova entidade, tanto a LCF como a FMD seriam extintas. A nova agremiação se filiaria à FBF, que por sua vez, requereria sua filiação à CBD. Assim, nesse novo arranjo, a FBF cuidaria do futebol brasileiro e a CBD ficaria responsável pela representatividade do futebol do Brasil no exterior. Desse modo todos os clubes brasileiros passariam a ter que se filiar à FBF, ou não poderiam enfrentar os outros clubes filiados à mesma.

No dia 29 de julho de 1937, é então celebrada a criação da Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ), que teve como primeiro presidente Antonio Avellar, dirigente ligado ao América. A nova entidade - logo apelidada de "Liga da Paz", foi criada com os seguintes clubes fundadores: Vasco, América, Fluminense, Flamengo, Botafogo, Bangu, Bonsucesso, Madureira e São Cristóvão. Depois entraram como agregados para o campeonato Olaria, Portuguesa e o Andaraí.

A fundação da nova entidade foi cercada de pompa, e a caneta de ouro utilizada para a assinatura de sua ata de fundação ficou depois exposta em uma joalheria no centro da cidade por algumas semanas.

América e Vasco receberiam os louros pelo êxito na pacificação do futebol carioca e selariam o desfecho positivo da empreitada com um jogo amistoso que ficou conhecido na época e até hoje dá nome ao confronto entre americanos e vascaínos: o "Clássico da Paz". Na noite de 31 de julho de 1937, depois de longos três anos, finalmente os tradicionais rivais voltavam a se enfrentar em São Januário numa partida cercada de festa e comemorações.

As duas equipes entraram unidas no gramado, cercados por mulheres que carregavam as bandeiras do Brasil, da FBF, da CBD, e de todos os clubes da LFRJ e dos grandes clubes paulistas. No campo deu Vasco: 3 x 2, que levou para a sua sala de troféus a Taça Pinto Bastos e Bronze da Vitória "O Cruzeiro".

Mas havia também outra taça em disputa, cuja posse, curiosamente é motivo de discórdia exatamente os clubes que celebraram a paz no futebol carioca. Seria oferecido o Troféu da Paz pela empresa "O Camizeiro" (loja de roupas masculinas famosa na época). Esse troféu seria disputado em uma melhor de três partidas entre os patronos da pacificação. A primeira partida, conforme dito, fora vencida pelo Vasco.

No dia 5 de setembro de 1937, os clubes voltaram a se enfrentar e dessa vez deu América: 3 x 1. O problema foi a terceira partida...
Troféu da Paz "O Camizeiro"
No dia 25 de agosto de 1938, em uma partida amistosa realizada em São Januário, o América venceu por 2 x 0 e ficou de posse do cobiçado Troféu da Paz - conforme noticiado no jornal O Globo de 26/08/1938. Segundo a versão americana do imbróglio, dias depois, o Vasco solicitou emprestada a taça para ser exposta em São Januário e... nunca mais devolveu!

A versão vascaína diz que a partida disputada em 1938 não deveria ser considerada por não ter sido combinado antes que valeria como o terceiro jogo. Alegam ainda que várias partidas foram disputadas entre a segunda (disputada no dia 05/09/1937) e a alegada terceira partida. Ou seja, por que exatamente essa e não nenhuma das outras? Conforme noticiado no mesmo jornal O Globo na sua edição de 23 de março de 1942 e também no Jornal do Brasil de 24 de março de 1942, o terceiro jogo só foi realizado em 22 de março de 1942 quando o Vasco derrotou o América em General Severiano pelo placar de 2 x 1. Com a vitória o Vasco decidiu não devolver mais a taça que hoje se encontra na sala de troféus de São Januário.

Outro fato curioso que ocorreu durante toda essa celeuma diz respeito ao São Cristóvão e o campeonato carioca de 1937 pela FMD que chegou a ser iniciado, mas foi interrompido com a pacificação e a extinção da FMD. Neste campeonato, o São Cristóvão liderava a disputa e já não poderia ser mais alcançado pelos concorrentes. Ou seja, já era o virtual campeão carioca pela FMD em 1937, mas como o campeonato não chegou a ser completado, esse campeonato não é considerado nas estatísticas sobre o futebol carioca.

O primeiro campeonato disputado na Liga da Paz (LFRJ) foi vencido pelo Fluminense, conquistando o bicampeonato que se tornaria um tricampeonato no ano seguinte.
A LFRJ administrou o futebol fluminense até 1941 quando passou a se chamar Federação Metropolitana de Futebol (FMF). Essa durou até 1960 quando a capital do Brasil foi transferida para Brasília e então é criada a Federação Carioca de futebol (FCF). O campeonato continuou a ser disputado apenas por clubes da capital mais o Canto do Rio de Niterói.

A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro ocorrida em 1974, em termos futebolísticos foi concluída em 1979 com a criação da atual Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) e a inclusão de outros clubes do interior fluminense que inclusive já vinham disputando campeonatos (cujos vencedores também não são considerados nas estatísticas oficiais...).

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