sexta-feira, 29 de maio de 2015

Origens - 3.2 - Club de Regatas Vasco da Gama: dos imigrantes portugueses à fundação do clube.

A imigração portuguesa para o Brasil, iniciada desde quando aportou na Bahia em 1500 o navegador Pedro Álvares Cabral, é em termos quantitativos a segunda maior verificada em nosso país, superada apenas pela imigração dos negros escravizados que vieram da África.

Ocorrida durante mais de três séculos e mantida mesmo após a independência do Brasil, a imigração portuguesas deixou profundas heranças para nossa cultura e para a formação do povo brasileiro: hoje em dia, a maioria dos brasileiros possui alguma ancestralidade portuguesa.

A origem socioeconômica do português imigrante é muito diversificada: de uma próspera elite nos primeiros séculos de colonização, passou-se a um fluxo crescente de imigrantes pobres a partir da segunda metade do século XIX.

Neste período, o aumento demográfico expressivo ocorrido em Portugal, a crescente mecanização das atividades agrícolas, produzindo um excedente de trabalhadores rurais e o empobrecimento de pequenos proprietários, causaram uma explosão no fluxo imigratório luso para o Brasil. Ainda persistia em regiões mais interioranas de Portugal o mito da fortuna fácil no Brasil.

Imigrantes portugueses à espera do navio para o Brasil
 
Esses pequenos proprietários rurais pobres, rudes, originários do norte de Portugal, da região do Minho, contribuíram para a formação da imagem negativa e preconceituosa do imigrante português, estigmatizando-os como pessoas pouco qualificadas intelectualmente, gerando um anedotário pouco condizente com a rica herança cultural que nos deixou o povo português. Esse anedotário pode ser entendido como o lado mais popular do debate entre políticos e intelectuais do país que se preocupavam, sobretudo, em definir e afirmar a identidade nacional. Nesse contexto, as anedotas expressavam a rejeição do povo brasileiro ao seu passado colonial.

Sobre esse típico imigrante português, escreveu Raimundo da Cunha Mattos, em 1820: 

"O português pobre, ao desembarcar nos portos brasileiros, veste polaina de saragoça (...) e calção, colete de baetão encarnado com seus corações e meia (...) geralmente desembarca dos navios um pau às costas, duas réstias de cebolas, e outras tantas de alho... e... uma trouxinha de pano de linho debaixo do braço. Eram minhotos que, para sobreviver, dormiam na rua e procuravam ajuda de instituições de caridade."

Uma lei brasileira de 1850 -  a Lei de Terras, que estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra, extinguindo a anterior baseada na simples posse desde os tempos coloniais, acabou por empurrar o fluxo imigratório português para as cidades e não para o campo. Mesmo os imigrantes que vinham com o intuito de se tornarem agricultores, logo após o desembarque, desistiam e procuravam se instalar nas vilas e centros urbanos do Brasil. O Rio de Janeiro por ser a capital do Império oferecia mais oportunidades e por isso acabou se tornando o destino preferido, nesta época, dos imigrantes portugueses.

De capital do Império, após a proclamação da República em 1889, o Rio de Janeiro passou à capital da República. O remo era o esporte que mais atraia a juventude carioca no final do século XIX. Os clubes para a pratica dessa atividade desportiva, também chamado de rowing na época, eram fundados por homens de uma sociedade que se transformava, mais arejada, de um Rio de Janeiro que já prenunciava a modernidade física que estava por vir. A cidade que sempre favoreceu a prática de esportes estava começando a descobrir isso e uma baia de Guanabara limpa e aprazível era um convite a colocar as baleeiras no mar.

Cariocas reunidos na orla de Botafogo para assistir a uma regata

Diversos clubes náuticos surgiram nesta época reunindo jovens da alta classe média e da aristocracia carioca residentes na zona sul. Para os moradores da zona portuária e do Centro do Rio, onde se concentrava a colônia portuguesa da baixa classe média, frequentar tais clubes da zona sul significava um longo e dispendioso deslocamento
Foi quando quatro jovens cariocas, todos descendentes de portugueses, residentes nesta mesma região portuária e central do Rio de Janeiro, chamados Henrique Ferreira Monteiro, Luís Antônio Rodrigues, José Alexandre D'Avelar Rodrigues e Manuel Teixeira de Sousa Júnior, se reuniram no número 90 da rua Teófilo Otoni, no Centro, onde se localizava um sobrado que servia de moradia para Henrique Ferreira Monteiro, para discutir a ideia da fundação de um clube de regatas.

José Alexandre D'Avelar nos anos 40


Cansados de terem que viajar todo o fim de semana para Niterói para praticarem seu esporte preferido no Clube de Regatas Gragoatá, a ideia de fundar um clube com sede no Rio de Janeiro, próximo ao local onde moravam e trabalhavam soara tentadora e outras reuniões foram realizadas e cada vez mais adeptos à ideia se juntavam ao grupo.

Discutiam entre outras coisas, o nome do futuro clube. Ideias como Álvares Cabral e Santa Cruz não vingaram, e a escolha recaiu para o nome do grande almirante luso VASCO DA GAMA porque naquele ano de 1898 era comemorado o aniversário de 400 anos do seu maior feito: a descoberta do caminho das Índias.

Notícias sobre tais reuniões se espalharam entre a comunidade portuguesa e chegaram aos ouvidos de Francisco Gonçalvez do Couto Júnior, pertencente a uma família dona de lojas e armazéns comerciais. Ele e seus quatro irmãos se empolgaram com a ideia e o futuro clube ganhou força: Francisco era proprietário de barcos de remo além de ter certo prestígio na sociedade carioca da época.

Francisco Gonçalvez do Couto Júnior
Então, em um domingo - dia típico para realização de regatas, no dia 21 de agosto de 1898, 62 adeptos da ideia original daqueles quatro jovens, quase todos portugueses ou brasileiros descendentes de portugueses, mas todos praticantes do remo, se reuniram em assembleia, numa sala da Sociedade Dramática Filhos de Talma, no número 293 da Rua da Saúde, sob a presidência de Gaspar de Castro, registraram na ata de fundação:

"Aos 21 dias do mês de Agosto de 1898, as 2:30 horas da tarde, reunidos na sala do prédio da Rua da Saúde numero 293 os senhores constantes do livro de presenças, assumiu a presidência o Sr. Gaspar de Castro e depois de convidar para ocuparem as cadeiras de secretários os senhores Virgílio Carvalho do Amaral como 1o. e Henrique Ferreira como 2o., declarou que a presente reunião tinha o fito de fundar-se nesta Capital da Republica dos Estados Unidos do Brasil, uma associação com o titulo de Club de Regatas Vasco da Gama…"

Nesta mesma reunião de fundação, foi eleita a diretoria e o presidente: Francisco Gonçalvez do Couto Júnior que recebeu 52 votos pela sua eleição. A primeira diretoria não foi empossada no mesmo dia porque alguns dos eleitos não estavam presentes naquele momento, o que só foi ocorrer uma semana depois, no dia 28/08/1898, numa cerimônia realizada no Clube Dançante Recreativo Arcas Comercial.

Também nesta assembleia, por sugestão do fundador José de Freitas (o mesmo que depois desenvolveria o escudo, a bandeira e a flâmula do novo clube), foi decidido que sob nenhum motivo o clube mudaria de nome ou de cores. Para o seu pavilhão e uniforme foi escolhido ao fundo a cor negra representando os mares obscuros navegados pelas caravelas portuguesas nos séculos XV e XVI, sobre a qual corria uma faixa diagonal em branco, representando o caminho marítimo das Índias descoberto pelo Almirante Vasco da Gama e a mesma faixa diagonal que simboliza o estandarte que Vasco da Gama recebeu do rei D. Manuel I por sua realização, com a Cruz de Cristo ao centro, que protegeu e guiou os navegadores portugueses por mares nunca antes navegados.

Estando o clube fundado, os próximos passos seriam a instalação da sede do clube e a filiação à União de Regatas (espécie de liga do remo da época) para disputa dos campeonatos de remo...

terça-feira, 26 de maio de 2015

Origens - 3.1 - Club de Regatas Vasco da Gama: o Almirante Vasco da Gama

Em maio de 1453, sob o comando do sultão Maomé II, o Império Otomano conquistou a capital bizantina - Constantinopla (atual Istambul, capital da Turquia), do Império Romano do Oriente. A chamada "Queda de Constantinopla" marcou o fim da Idade Média na Europa, decretando o fim definitivo do outrora poderoso Império Romano.

Localizada no estreito de Bósforo, Constantinopla era uma das cidades mais importantes do mundo pois funcionava como ponte para todas as rotas comerciais entre a Europa e a Ásia. Com a cidade dominada pelos muçulmanos, esta rota comercial foi interrompida: nem por terra e nem por mar as nações cristãs da Europa conseguiam ter acesso às rotas que levavam à Índia e à China, de onde principalmente provinham as especiarias usadas para conservação de alimentos.

Maomé II entrando em Constantinopla com seu exército.

Diante do quadro geopolítico da época, as nações ibéricas (Portugal e Espanha), aproveitando-se de suas privilegiadas posições geográficas junto ao Oceano Atlântico e à África, desenvolveram intensos investimentos em conhecimentos marítimos e em construção naval, com objetivo de descobrirem rotas alternativas (ao redor do continente africano ou até pelo ocidente) iniciando a era das Grandes Navegações, vindo assim a se tornarem no século XVI os mais poderosos países do mundo, estabelecendo assim uma nova ordem mundial.

Várias expedições foram enviadas ao longo da costa africana - rota na qual os portugueses acreditavam ser possível contornar o extremo sul da África e finalmente chegar às Índias. A primeira proeza foi realizada em 1488 pelo navegador Bartolomeu Dias que conseguiu atingir o Cabo das Tormentas (depois rebatizado pelo rei D. João II de Portugal, de Cabo da Boa Esperança), local que acreditavam os navegadores portugueses ser o extremo sul do continente africano (na verdade o ponto mais meridional da África é o Cabo das Agulhas).

Também foram feitas expedições por terra, suportando a teoria de que a Índia era acessível por mar, ao se contornar a África a partir do Oceano Atlântico. Pero da Covilhã e Afonso de Paiva foram enviados pelo rei D. João II, via Barcelona, Nápoles e Rodes até Alexandria, porta para Aden, Ormuz e a Índia.

Faltava então alguém comprovar a ligação entre os achados de Bartolomeu Dias e os de Pero da Covilhã e Afonso de Paiva para restabelecer a rota comercial com o Oriente.

A tarefa foi inicialmente delegada por D. João II a Estêvão da Gama, mas devido à morte de ambos, o novo rei D. Manuel I entregou o comando da expedição à Vasco da Gama (filho de Estêvão da Gama), devido ao seu desempenho excepcional na proteção dos interesses comerciais de Portugal frente às depredações de franceses na costa africana. 


Vasco da Gama

Sob seu comando, partiu de Lisboa em julho de 1497, uma frota composta por quatro naus (São Gabriel, São Rafael, São Miguel e Bérrio) rumo à Índia, onde finalmente chegou em 20 de maio de 1498, aportando na cidade de Calecute.

As negociações com o governante local, o samorim Samutiri Manavikraman Rajá, fora difíceis, pois os locais julgaram de baixo valor as mercadorias oferecidas em troca pelos portugueses. Mas por fim, o samorim se mostrou agradado com as cartas enviadas por D. Manuel I e Vasco da Gama conseguiu obter uma carta de concessão de direitos para comercializar.

Iniciou seu regresso à Portugal em agosto de 1498, chegando em Lisboa apenas em setembro de 1499, com apenas duas das quatro embarcações que zarparam dois anos antes, e com 55 sobreviventes dos 148 que iniciaram a viagem.

No seu retorno, foi reconhecido como o homem que conseguira concluir um projeto de oitenta anos da nação portuguesa: estava descoberto o caminho das Índias. Foi recompensado recebendo o título de "Almirante-Mor dos Mares das Índias", sendo-lhe concedida uma renda de 300 mil réis anuais, que passaria para os filhos que viesse a ter. Recebeu ainda o título perpétuo de Dom e duas vilas (Sines, onde nascera e Vila Nova de Milfontes).

Zarpou novamente rumo à Índia em fevereiro de 1502, no comando de uma frota de 20 navios de guerra, com objetivo de fazer valer os interesses comerciais portugueses no Oriente, cargo para o qual fora convidado depois da recusa de Pedro Álvares Cabral.

Retornou à Portugal em 1513, retirando-se em Évora, apesar do prestígio que gozava junto ao rei. Em 1519 foi feito Conde de Vidigueira pelo rei D. Manuel I, tornando-se o primeiro Conde português sem sangue real.

Com sua fama de "solucionador" de problemas nas Índias, foi convocado mais uma vez pelo rei e enviado em 1524 para o Oriente com objetivo de substituir o vice-rei Duarte de Meneses que vinha governando de maneira desastrosa.

Vasco da Gama contraiu malária pouco depois de chegar a Goa, onde atuou com rigidez e impôs a ordem no vice-reino. Faleceu em 24 de dezembro de 1524 na cidade de Cochin, vítima das complicações da malária.

Seus restos mortais se encontram hoje em Lisboa no Mosteiro dos Jerónimos.

Túmulo de Vasco da Gama no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa.
Quatrocentos anos depois de seu maior feito, numa cidade localizada em um país descoberto por seu conterrâneo Pedro Álvares Cabral, surgiria um clube de remo em sua homenagem...

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Origens - 2.2 - Clube de Regatas do Flamengo: Borgerth leva o futebol para o Flamengo.

Na primeira década do século XX, um novo esporte começava a rivalizar com o remo na preferência dos cariocas: o futebol. Trazido por jovens que estudaram na Europa e fundaram o Fluminense (como veremos nos textos a seguir...), o novo esporte logo ganhou popularidade pela facilidade e pelo baixo custo para a sua prática.

Nesta época, o Flamengo ainda não tinha um departamento de esportes terrestres, apesar de já ter disputado uma partida de futebol no dia 25/10/1903, no estádio do Paysandu Atlético Clube, contra o Club de Regatas Botafogo, quando perdeu por 5 a 1 (conforme contei na origem do Botafogo - parte 1.1). Curioso que neste jogo específico, o Flamengo se vestiu de... alvinegro!!! Com camisas brancas e calções pretos...

Como seus sócios moravam na mesma região (o bairro do Flamengo é contíguo ao das Laranjeiras), era muito comum alguns serem remadores do Flamengo pela manhã, e jogadores de futebol do Fluminense à tarde.

O melhor exemplo desta situação era Alberto Borgerth. Filho do Dr. José de Silveira Álvares Borgerth, que fora chefe de segurança do imperador brasileiro D. Pedro II e Procurador-geral dos Feitos da Fazenda; em 1906 foi remador do Flamengo e jogador do Rio Futebol Clube, uma espécie de juvenil do Fluminense. Em 1911 passou a jogar no primeiro quadro do Fluminense.

Alberto Borgerth
Após a conquista do título do campeonato carioca de futebol  de 1911, acontece uma cisão no Fluminense que daria origem ao futebol no Flamengo.

Na véspera do jogo do campeonato carioca de 1911, contra o Rio Cricket, o Ground Committeé (uma espécie de comissão técnica que avaliava e determinava a escalação da equipe que entraria em campo para a disputa das partidas de futebol), se reuniu e escalou uma equipe para a partida. Entretanto, Alberto Borgerth sugeriu, com apoio da maioria dos atletas, que os jogadores fossem consultados. Afonso de Castro foi contrário à ideia, ponderando que isso abriria um precedente perigoso ao transferir aos jogadores as atribuições que eram exclusivas do Committeé.

Os jogadores sugeriram as substituições de Oswaldo Gomes por Arnaldo Guimarães, e de Paranhos por Alberto Borgerth, mas o Committeé manteve a escalação de sua vontade e o Flu venceu a partida por 5 a 0.

Contrariados, no dia 03/10/1911, os jogadores Othon Baena, Píndaro de Carvalho Rodrigues, Emmanuel Nery, Ernesto Amarante, Armando de Almeida (Galo), Orlando Mattos, Gustavo de Carvalho e Lawrence Andrews, liderados por Alberto Borgerth, solicitaram desligamento do Fluminense. Todos eram titulares do time campeão de 1911.

Equipe do Fluminense, campeã carioca invicta de 1911

O grupo rebelado inicialmente pensou em simplesmente migrar para o rival Botafogo, mas essa hipótese foi logo afastada, pois o alvinegro na época era o principal adversário do Fluminense (havia sido campeão em 1910 e era o adversário a ser batido). Outra possibilidade aventada era e de migrarem para o Paysandu, que já possuía bons jogadores, mas era um clube fechado e exclusivo para ingleses. Assim, a ideia também não vingou.

Borgerth então decretou: "Vamos para o Flamengo!"

O problema era que apenas a vontade de nove jogadores de criar uma departamento terrestre no Flamengo não era suficiente. Além de ter de vencer a resistência dos remadores (que na época já percebiam o sucesso que o futebol vinha fazendo em detrimento do remo), o clube deveria obrigatoriamente se filiar a Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA), e para isso, o Flamengo deveria ter um campo de jogo e, pelo regulamento vigente à época da LMSA, o clube deveria permanecer pelo menos um ano como filiado antes de poder disputar qualquer campeonato.

No dia 08/11/1911 foi aprovado o ingresso dos novos sócios. Mas a resistência dos remadores do Flamengo fez com que fosse criada uma comissão interna para avaliar e aprovar ou não a adoção do futebol pelo rubro-negro. Essa comissão era liderada exatamente por Alberto Borgerth (que já era sócio e remador). Assim, em assembleia realizada no dia 24/12/1911, o Flamengo criou oficialmente o seu time de futebol, sob a responsabilidade do Departamento de Esportes Terrestres, sendo estabelecido porém, que os jogadores de futebol se utilizariam de um uniforme diferente, embora com as mesmas cores. O Flamengo estreou no futebol com uma camisa logo apelidada de "papagaio de vintém", por causa da semelhança com as pipas que tinham o mesmo formato.

Time do Flamengo de 1912
 
O problema da falta de campo foi logo resolvido quando o próprio Fluminense arrendou por uma quantia irrisória o seu campo ao Flamengo. Enquanto que Mário Pollo, secretário e representante do Fluminense atuando na LMSA, conseguiu a alteração necessária no regulamento para que o Flamengo já estreasse no campeonato carioca de 1912. Ajudou muito para que essa alteração fosse efetuada o fato da desfiliação do Botafogo, que era quem rivalizava nessa época, com o Fluminense. Assim, para manter o interesse no campeonato, era interessante a entrada de um clube já popular como o Flamengo, por conta das regatas.

A nova equipe chamava a atenção e dava os primeiros passos para formar a sua enorme popularidade treinando num campo público e aberto na antiga praia do Russel. A primeira partida foi disputada no dia 03/05/1912 no campo do America, contra o Mangueira quando foi aplicada uma "sonora" goleada de 15 a 2 !!

Campo da praia do Russel onde o Flamengo treinava
Com um time formado a partir da base do Fluminense campeão do ano anterior, o Flamengo terminou o seu primeiro campeonato carioca na segunda colocação, atrás apenas do campeão Paysandu. E foi decisivo para isso a derrota do primeiro FlaFlu disputado com vitória tricolor por 3 a 2.

O primeiro título veio em 1914 no campeonato carioca, época em que abandonou a camisa "papagaio de vintém" e adotou uma camisa com listas horizontais vermelhas e pretas, separadas por uma fina lista branca - a chamada camisa "cobra coral".

Flamengo campeão carioca de 1914
A camisa "cobra-coral" foi logo abandonada por conta de sua semelhança com a bandeira alemã utilizada na Primeira Guerra Mundial e o futebol passou a ter apenas listras horizontais vermelhas e pretas, assim como os remadores, a partir de 1916, quando o novo uniforme estreou em uma vitória de 3 a 1 sobre o São Bento, de São Paulo.

Alberto Borgerth, é considerado até hoje o pai do futebol no Flamengo. No rubro-negro sagrou-se bicampeão carioca de futebol (1914-15) e ainda foi vice-campeão de remo em 1915. Chegou a ser presidente do clube por um breve período em 1927.

Numa entrevista publicada no diário O Lance! do Rio de Janeiro, em 2014, seu neto declarou que o avô confessara que seu coração era "FlaFlu..."

Alfredo Borgerth, em 1927, com a faixa de campeão carioca

sábado, 16 de maio de 2015

Origens - 2.1 - Clube de Regatas do Flamengo: "Na regata, ele me mata, me maltrata, me arrebata, que emoção no coração!"

Entre o final de 1503 e o início de 1504, o navegador português Gonçalo Coelho, abastecia de água a sua expedição na foz de um rio que desaguava numa praia conhecida pelos índios Tamoios como "Sapucaitoba" (literalmente, “lugar onde há muitas sapucaias”). Os portugueses chamavam o local de "Aguada dos Marinheiros".

Gonçalo Coelho


O rio foi logo batizado de rio Carioca por influência dos mesmos índios Tamoios, em função de um feitoria construída no local. Carioca, na língua dos Tamoios, quer dizer casa de branco (cari - branco; oca - casa).

Em 1531, Pero Lopes de Souza, um navegador e nobre português, senhor de Alcoentre - Portugal, irmão mais velho do navegador Matim Afonso de Souza, e que chegara ao Brasil na expedição capitaneada pelo irmão no ano anterior, constrói a primeira casa de pedra na foz do rio Carioca (essa viria a ser a primeira edificação do gênero do continente americano que se tem conhecimento). Tal casa em seguida, serviu de moradia para o primeiro Juiz da cidade - Pedro Martins Namorado, nomeado em 1565 por Estácio de Sá. A casa foi destruída por uma ressaca, mas foi reconstruída no século XVII para servir de morada para o sapateiro Sebastião Gonçalves que ali residiu entre 1606 e 1620. Por isso, a praia onde desaguava o rio Carioca, ficou conhecida como Praia do Sapateiro.

Mas a mesma praia tinha sido alguns anos antes o local escolhido pelo navegador holandês Olivier van Noort para uma tentativa de obter refrescos (suprimentos frescos) para a sua tripulação que sofria com o escorbuto. Sua frota navegava rumo ao oriente e não tinha intenção de invadir o Brasil, mesmo assim teve a sua solicitação negada pelos portugueses. Apesar da negativa, premidos pela necessidade, tentaram mesmo assim desembarcar e foram repelidos por índios e portugueses. Por conta desse fato, a praia também ficou conhecida como praia do Flamengo - termo impropriamente atribuído aos holandeses (na verdade, flamengos formam o principal grupo étnico da Bélgica).

Estátua de Olivier van Noort em Schoonhoven - Holanda


Outras versões sobre a origem do nome Flamengo atribuem ao fato de os prisioneiros holandeses (flamengos) provenientes das invasões ocorridas no século XVII no nordeste brasileiro, se instalarem na mesma praia. Ou ainda pela presença de muitos flamingos na praia.

Com o passar dos anos a praia ficou mais conhecida como Praia do Flamengo e o primeiro sinal de urbanização das cercanias da praia foi a estrada construída para escoar a produção de açúcar do Engenho D'El Rei (que ficava na atual Lagoa) para o porto do Rio de Janeiro.

Com a abertura da avenida Beira-Mar, considerado um dos locais mais belos do mundo, o bairro se desenvolveu de vez e lá foram construídos elegantes prédios e palacetes onde moravam a elite da sociedade carioca.

Desde muito tempo, o povo que se instalou na cidade do Rio de Janeiro, era inclinado à prática de esportes. Com o mar se oferecendo em cenários belíssimos, o remo se apresentou como uma escolha natural. Assistir a uma regata era o programa preferido pela sociedade carioca nas manhãs de domingo do final do século XVIII. Isso conferia aos rapazes praticante deste esporte um status diferenciado, quase sempre bronzeados e fortes, faziam grande sucesso entre as moças cariocas.

Foi neste contexto, que alguns jovens moradores do bairro do Flamengo, cansados de ver a moças da mesma vizinhança preteri-los pelos rapazes de outras (principalmente do bairro vizinho - Botafogo...), decidiram fundar um grupo para a prática do remo.

Em setembro de 1895, José Agostinho Pereira da Cunha convidou seus amigos Mário Spíndola, Augusto da Silveira Lopes e Nestor de Barros, para se reunirem no tradicional restaurante Lamas, no Largo do Machado, para a criação do grupo de regatas.

José Agostinho Pereira da Cunha

Observando o entusiasmo dos jovens envolvidos, o padre Nattuzi procurou o Dr. Lourenço Cunha, pai de José Agostinho, lhe perguntando se não ficava preocupado com tamanho interesse, pois a fama das regatas “não era lá das melhores”. Cunha teria respondido que acreditava no esporte como uma escola de formação e disciplina, uma prática saudável, por isso não se importava.

Mas logo a primeira dificuldade apareceu: como conseguir um barco? Eles então se cotizaram, juntando 400 mil réis e investiram numa antiga baleeira de cinco remos, que se encontrava encostada numa casa na praia do Flamengo.

O segundo passo seria providenciar a reforma da embarcação adquirida, já que a mesma era de segunda mão. Levaram-na de bonde até a praia de Maria Angu (atual praia de Ramos), para que fosse reformada a um preço de 250 mil réis.

Serviço pronto, no dia 6 de outubro à tarde, a embarcação batizada pelo grupo de Pherusa, zarpou da Ponta do Caju com destino à praia do Flamengo. Nos remos os jovens Nestor de Barros, Mario Spínola, José Felix da Cunha, Felisberto Laport, José Agostinho Pereira, Napoleão de Oliveira, Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Leovegildo dos Santos Bahia. 

Pouco tempo depois de iniciada a navegação, o tempo começou a virar e o forte vento virou a embarcação e os remadores caíram no mar. Todos se agarraram como podiam ao casco do barco virado tentando se salvar. Joaquim Leovegildo dos Santos Bahia, exímio nadador, decidiu então se lançar ao mar em busca de ajuda, com a intenção de alcançar a praia mais próxima e levar socorro aos companheiros que ficaram no mar.

Algum tempo depois, já com as condições do tempo melhores, os jovens são avistados e resgatados por uma lancha chamada Leal, que levava passageiros que estavam na Igreja da Penha. A Pherusa foi rebocada até o cais Pharoux, na Praça XV, e todos se salvaram. Mas restava uma preocupação... E o Joaquim Bahia? Que fim tinha levado o amigo que numa atitude desesperada e heroica havia se lançado ao mar em busca de socorro?

Mais tarde souberam que ele tinha conseguido chegar à uma praia da Ilha de Bom Jesus e comunicado o ocorrido ao delegado da 18ª Circunscrição.

Talvez o naufrágio acontecido exatamente na viagem inaugural do grupo de regatas recém formado, seria motivo para que se abandonasse a ideia. Mas os jovens, talvez já imbuídos do que veria a ser o espírito de luta da agremiação que estavam fundando, foram persistentes e novamente juntaram dinheiro para que a baleeira fosse mais uma vez reformada.

Remadores do Flamengo em 1896


Ainda assim, antes mesmo que a embarcação fosse reformada, ela foi roubada e nunca mais se teve notícia dela...

Mais uma vez se reuniram e juntaram recursos para um nova aquisição: compram um nova embarcação, chamada Etoile, a qual rebatizam com o nome de Scyra.

Para concretizarem de vez o projeto de fundar um grupo de regatas, marcam e se reúnem no dia 17 de novembro de 1895, na casa de Nestor Barros que ficava na Praia do Flamengo, número 22.

Nesta reunião, com a participação de José Agostinho Pereira da Cunha, Mario Spínola, Napoleão Coelho de Oliveira, José Maria Leitão da Cunha, Eduardo Sardinha, Carlos Sardinha, Desidério Guimarães, Maurício Rodrigues Pereira e George Leuzinger além do próprio Nestor Barros, fundam o Grupo de Regatas do Flamengo. Augusto Lopes da Silveira, João de Almeida Lustosa e José Augusto Chauréu faltaram à reunião, mas foram também considerados fundadores do grupo.

Além dos citados, também participou da reunião Domingo Marques de Azevedo que acabou sendo eleito o primeiro presidente. O curioso é que ele não fazia parte do grupo de rapazes que idealizaram o clube. Na verdade era um Guarda-Marinha que por acaso passava pelo local e, observando a movimentação no casarão, foi ver do que se tratava e acabou aderindo à ideia.

Na mesma reunião de fundação decidiu-se que as cores do clube seriam o azul (em referência às águas da Baía de Guanabara) e o dourado (em referência às riquezas brasileiras), com o uniforme formado por listas horizontais nessas cores. Também decidiram que a data oficial da fundação seria o dia 15/11/1895, para que as comemorações de aniversário sempre caíssem num feriado (Proclamação da República).

A sede do grupo ficou sendo mesmo o casarão de Nestor de Barros, que posteriormente ficou conhecido como "República da Paz e do Amor", onde os barcos eram guardados.

Antiga sede do Clube de Regatas do Flamengo

Em 1896, pouco mais de um ano depois da fundação, foi necessário alterar as cores do uniforme. Além da dificuldade de se achar e importar da Inglaterra e da França tecidos nesta combinação de cores, a salinidade e o sol desbotavam os uniformes utilizados pelos remadores. As novas cores escolhidas então foram o vermelho e o preto, cores da bandeira do Jockey Club do Rio de Janeiro. Assim o uniforme dos remadores passou a ser composto de camisas com listas horizontais em vermelho e preto, com bermudas pretas e um cinto branco.

Com a Scyra o grupo entrou na sua primeira competição e mais um revés aconteceu... Além de inexperientes, os remadores flamenguistas pouco antes de competir, almoçaram bacalhau à portuguesa e beberam vinho verde à vontade. Resultado: passaram mal durante a competição e o barco bateu na baliza de sinalização e virou. Os remadores acabaram sendo salvos pelos rivais do Botafogo.

Passado esse primeiro vexame, o grupo voltou a competir, mas só conseguia chegar em segundo ou em terceiro lugar. Por conta disso recebeu logo a alcunha de "Clube de Bronze"...

A primeira vitória finalmente ocorreria no dia 05/07/1898, na 1ª Regata do Campeonato Náutico do Brasil, com a embarcação Irerê, uma baleeira de dois remos.

A preocupação com o nacionalismo foi marcante no início do Flamengo. Por exemplo, em 1902, diante do seu crescimento, a diretoria decidiu mudar a denominação da agremiação de Grupo de Regatas do Flamengo para CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO. Ou seja, não optou pela denominação "club" muito comum na época, e logo adotou a versão aportuguesada do termo.

Outra preocupação eram os nomes de batismo de suas embarcações. Apesar de os dois primeiros terem denominações derivadas do grego (Pherusa e Scyra), os demais passaram a ter nomes indígenas como Aymoré, Iaci e Irerê.

O primeiro título estadual no remo tardou a acontecer: somente 21 anos após a fundação, em 1916, quando inclusive o clube já disputava partidas de futebol...

terça-feira, 12 de maio de 2015

Origens - 1.3 - Botafogo de Futebol e Regatas: a fusão dos "Botafogos".

Em 1942, no nobre bairro de Botafogo da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, havia dois "Botafogos": O Club de Regatas Botafogo (CRB), fundado em 1894; e o Botafogo Football Club (BFC), fundado em 1904.



Clubes alvinegros, com grandes torcidas, com sedes que ficavam e menos de um quilômetro uma da outra... A fusão dos "Botafogos" já vinha sendo estudada desde o início dos anos 30, mas sempre encontrava forte resistência em ambos clubes.

Os remadores do CRB não queriam aceitar a adoção do futebol, esporte que havia relegado a segundo plano o remo, esporte de mais apelo popular na virada do século. Muitos deles inclusive, (assim como no Clube de Regatas do Flamengo) também eram sócios do Fluminense, um dos grandes rivais do BFC. Há uma versão, não confirmada, que tais remadores botafoguenses e sócios tricolores, queriam evitar a todo custo a fusão temendo o engrandecimento que representaria a fusão de duas potências do esporte da cidade.

Os dirigentes do BFC também resistiam à ideia da fusão, afinal era bastante comum ver torcedores do Fluminense e do América, grandes rivais da época e clubes que não tinha o remo entre suas modalidades esportivas, torcerem pelo remo do CRB.

Foi necessária uma tragédia para que a fusão finalmente acontecesse...

Os dois clubes eram poliesportivos e tinham em comum entre suas modalidades esportivas o basquetebol. Havia entre os atletas de basquetebol do BFC, o jogador Armando Albano. Ele disputou três Campeonatos Sul-americanos pela Seleção Brasileira de basquetebol. Em 1934, quando o Brasil conquistou a medalha de bronze no Sul-americano, ele fez 39 pontos em apenas 5 jogos, se tornando o "cestinha" da delegação brasileira que viajou para a disputa na Argentina. Em 1935 conseguiu um feito semelhante: 31 pontos em 4 jogos, ajudando a Seleção Brasileira a conquistar o vice-campeonato sul-americano, no Rio de Janeiro. Em 1939, finalmente conquistou o Sul-americano de basquetebol, disputado novamente no Rio de Janeiro, desta vez marcando 6 pontos em 2 jogos.

Os dois clubes disputavam no dia 11/06/1942, uma partida de basquetebol pelo campeonato carioca da modalidade no Mourisco Mar - sede do CRB. Armando Albano, que trabalhava nas Casas Bancárias Moneró, saiu do trabalho e decidiu passar em casa antes do jogo para levar o seu filho para ver o jogo. O menino, no entanto, estava febril e a mãe não o deixou sair de casa. Com isso, Armando chegou atrasado para o jogo e entrou na disputa com o jogo já iniciado.

Durante o intervalo, era comum os jogadores ficarem em quadra e batendo bola. Armando, em determinado momento, abaixou-se para pegar uma bola e caiu desfalecido. Ele foi levado para o vestiário e apesar de todos os esforços dos médicos presentes, já era tarde demais: ele fora atingido por um infarto fulminante.

Armando Albano


Enquanto ele estava no vestiário tentando ser reanimado, a partida recomeçou, mas quando foi confirmada a morte do jogador, a partida foi interrompida faltando 10 minutos para o final, quando o placar marcava BFC 23 x 21 CRB.

E esta partida nunca foi terminada. O CRB abdicou do direito de terminá-la, para que Armando Albano tivesse como homenagem uma última vitória. O placar permaneceu o mesmo, com vitória do BFC, clube que Armando defendia, por 23 a 21.

O corpo do jogador falecido saiu em cortejo da sede do BFC (General Severiano) e quando passava pela sede do CRB, no Mourisco Mar, houve uma parada e os presidentes de cada um dos clubes alvinegros, fizeram os seguintes pronunciamentos:

"Comunico nesta hora a Albano que a sua última partida resultou numa nítida vitória. O tempo que resta do jogo interrompido, os nossos jogadores não disputarão mais. Todos nós queremos que o jovem lutador desaparecido parta para a grande noite como um vitorioso. E é assim que o saudamos." - Augusto Frederico Schmidt, presidente do Club de Regatas Botafogo.

"Nas disputas entre os nossos clubes só pode haver um vencedor: o Botafogo!" - Eduardo Góes Trindade, presidente do Botafogo Football Club.

"O que é mais preciso para que os nossos dois clubes sejam um só?" -  Augusto Frederico Schmidt, presidente do Club de Regatas Botafogo.

A partir dessa data, a fusão foi lavrada e os procedimentos para a sua efetivação se iniciaram. Até que em 08/12/1942, nasceu o BOTAFOGO DE FUTEBOL E REGATAS.

Presidentes do Club de Regatas Botafogo e do Botafogo Football Club selam a fusão


Com a fusão, a bandeira perdeu o o escudo com as letras entrelaçadas do BFC e ganhou um retângulo preto com a Estrela Solitária herdada do CRB, no alto. O escudo também incorpora o fundo negro e a Estrela Solitária. A equipe de futebol passa a utilizar os calções pretos e a camisa listrada do BFC é mantida.



Fundado, o novo clube, apesar de um verdadeiro desfile de craques como Gérson dos Santos, Zezé Procópio, Sarno, Tovar, Heleno de Freitas e outros, depois de quatro vice-campeonatos seguidos (1944-47), só conseguiria se sagrar campeão carioca em 1948.

Neste campeonato, comandado pelo seu ex-jogador Zezé Moreira como técnico, guiado pelos gols dos artilheiros Octávio Moraes e Sylvio Pirillo, e também pela fé de seu supersticioso presidente (Carlito Rocha) e de Biriba, um cãozinho preto e branco adotado como mascote, venceu na final em General Severiano o temido Vasco e seu "Expresso da Vitória", por 3 a 1.

Botafogo Campeão Carioca de 1948


Apesar da fusão ter ocorrido em 08/12/1942, o clube comemora os seus aniversários na dada de fundação do antigo Botafogo Football Club: 12/08/1904.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Origens - 1.2 - Botafogo de Futebol e Regatas: de Electro à Botafogo Football Club.

Em 1904, Flávio Ramos, então um menino de 15 anos de idade, durante uma cansativa aula de álgebra ministrada pelo general Júlio Noronha no Colégio Alfredo Gomes, encaminhou ao seu colega de turma, Emmanuel Sodré, um bilhete que dizia o seguinte:
"O Ithamar tem um clube de football na rua Martins Ferreira... Vamos fundar outro no Largo dos Leões? Podemos falar aos Werneck, ao Arthur César, ao Vicente e ao Jacques."
O clube criado por Ithamar Tavares chamava-se Ideal Football Club que não duraria muito tempo, fazendo o próprio Ithamar se juntar ao grupo que em seguida fundaria o novo clube.

O bilhete acabou sendo interceptado pelo professor Júlio Noronha, que advertiu não ser aquele o momento mais apropriado para esse tipo de discussão, mas que apoiava qualquer iniciativa relativa à prática de esportes.


Emmanuel Sodré se entusiasmou com a ideia e logo ao fim da aula, juntamente com Flavio Ramos, foram conversar com os demais jovens, todos com idade entre 14 e 15 anos, e logo os convenceram que esta seria a melhor opção para preencher seus tempos livres no começo do século XX.

Reuniram-se então na tarde do dia 12/08/1904, uma sexta-feira, num velho casarão localizado na esquina da rua do Humaitá com o Largo dos Leões para oficializar a criação do Electro Football Club.

Esse primeiro nome foi escolhido porque os meninos fundadores se utilizaram de um talão de um extinto grupo de pedestrianismo (clube de caminhadas) com este nome para cobrar as primeiras mensalidades.

Ithamar Tavares, citado no bilhete de Flávio Ramos, que a essa altura já tinha desfeito o Ideal, sugeriu a adoção de um uniforme com listras verticais brancas e pretas, inspirado no uniforme da Juventus (fundada em 1897) de Turim - Itália, onde estudara: era o time para o qual ele torcia por lá... A sugestão foi aceita por unanimidade e assim surgiu o tradicional uniforme alvinegro.

A fundação do novo clube não teve ata e nem nada de mais formal, mas Flavio Ramos e Emmanuel Sodré não queriam que o novo clube desaparecesse como tantos outros, algo bastante comum naquela época. Procuraram então, pessoas com mais idade e experiência para administrar o novo clube, como Alfredo Guedes de Melo e Alfredo Chaves.

Nova reunião do clube foi realizada no dia 18/09/1904, desta vez na casa de Dona Francisca Teixeira de Oliveira -  a Dona Chiquitota, avó de Flávio Ramos, que se assustou ao saber o  nome do clube:
"Afinal, qual é o nome desse clube?" - perguntou Dona Chiquitota.
"Electro" - respondeu-lhe o neto.
"Meu Deus! Que falta de imaginação! Ora... Morando onde vocês moram, o clube só pode se chamar Botafogo!" - decretou Dona Chiquitota.

E assim foi feito: a partir de 18 de setembro de 1904, surgia o BOTAFOGO FOOTBALL CLUB. Neste mesmo dia Alfredo Guedes de Mello foi eleito o primeiro presidente.

 
Escudo do Botafogo Football Club

Os primeiros treinos do Botafogo aconteceram no próprio Largo dos Leões e as palmeiras imperiais que lá existem até hoje, serviram de balizas.

A primeira partida do novo clube foi disputada em 02/10/1904, contra o Football and Athletic Club, na Tijuca, quando perdeu por 3 a 0. Mas já no segundo jogo, realizado em 21/05/1905, aconteceu a primeira vitória: 1 a 0 sobre o Petropolitano, gol de Flavio Ramos. O curioso é que ele, na primeira partida, atuou como goleiro...

Ainda em 1905, foi criado o Carioca Football Club, no bairro de Botafogo, destinado a ensinar as bases do futebol a crianças. O Carioca se tornou a primeira escola de futebol do Brasil, mas foi desativado em 1908 e absorvido pelo Botafogo Football Club que tinha intenção de criar um time infantil.

Em 1906, o Botafogo venceu o primeiro torneio de futebol do Rio de Janeiro: a Taça Caxambu, disputada por equipes de segundos quadros. No mesmo ano disputou o primeiro campeonato carioca e terminou em quarto lugar.

Os primeiros jogos do Botafogo eram disputados em um "campinho" da rua Conde de Irajá. Em 1908 o clube arrendou um campo localizado num terreno na rua Voluntários da Pátria, onde hoje se localiza o horto-mercado da COBAL, com uma pequena tribuna de madeira para o público. A inauguração se deu em 10/05/1908 com a vitória do América sobre o Riachuelo por 6 a 0. O Botafogo estreou no dia 31/05/1908 vencendo o mesmo Riachuelo por 5 a 0.

Campo da rua Voluntários da Pátria


Depois de dividir o título carioca de 1907 com o Fluminense (algo que só foi decidido em 1996...), de no campeonato carioca de 1909 ter aplicado a maior goleada em jogos oficiais do futebol brasileiro - 24 a 0 sobre o Sport Club Mangueira; veio a primeira grande glória com o título no campeonato carioca de 1910. Numa campanha espetacular, marcada por 7 goleadas, o Botafogo consolida a sua grandeza e torna-se "O Glorioso". Alcunha formada a partir das congratulações que o clube recebia a cada vitória durante o campeonato, todas iniciando como "O Glorioso Botafogo Football Club".

Botafogo campeão carioca de 1910 - time base: Coggin, Edgard Pullen e Dinorah; Rolando de Lamare, Lulu Rocha e Lefévre; Emmanuel Sodré, Abelardo de Lamare, Décio Viccari, Mimi Sodré e Lauro Sodré.

Em 1912, o proprietário do terreno onde se situava o campo da rua Voluntários da Pátria, decide vendê-lo para a prefeitura do Rio de Janeiro que abriu ali a rua General Dionísio. No mesmo ano foi construído na rua General Severiano o novo campo do Botafogo, que foi inaugurado no dia 13/05/1913 com uma vitória de 1 a 0 sobre o Flamengo, em partida válida pelo campeonato carioca daquele ano.

Partida inaugural do campo de General Severiano
 

Os dirigentes do Botafogo, ao se vestirem de fraque e cartola para receber o time uruguaio do Dublin FC no gramado para a realização de um amistoso em 1917 (a intenção era imitar os políticos da República Velha), acabaram criando a alcunha que é utilizada até hoje para se referir aos dirigentes esportivos: "cartola".

O Botafogo Football Club conquistou 7 campeonatos cariocas, 2 torneios início e uma Copa dos Campeões Estaduais Rio- São Paulo em 1931.

Mas existiam dois "Botafogos" na mesma cidade e no mesmo bairro...

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Origens - 1.1 - Botafogo de Futebol e Regatas: surge o Club de RegatasBotafogo.



Construído em Portugal por volta de 1534, o galeão São João Batista, mais conhecido pela alcunha de o Botafogo era considerado no século XVI o mais poderoso navio de guerra do mundo.
O Botafogo
Carlos V (Sacro Imperador Romano-Germânico de 1519 a 1556), ao ordenar a conquista de Túnis (atual capital da Tunísia), solicitou apoio naval a Portugal, pedindo especificamente que o Botafogo liderasse o ataque. Foi o esporão do galeão que conseguiu romper as defesas da cidade e que, assim, possibilitou a sua conquista pelos cristãos.

Um dos membros da tripulação do Botafogo, chamado João Pereira de Sousa (um nobre português da cidade de Elvas, no Alto Alentejo), tornou-se famoso porque era o responsável pela artilharia do galeão. Mesmo motivo que ele próprio também ganhou o apelido de Botafogo, que foi incluído ao seu nome e ao dos seus descendentes.

João Pereira de Sousa Botafogo veio a se estabelecer no Brasil em 1590, quando comprou de Antônio Francisco Velho, terras junto a uma enseada na baía de Guanabara (que havia recebido de Estácio de Sá - fundador da cidade do Rio de Janeiro), passando essa área a ser reconhecida como Botafogo.

Com a chegada da família real portuguesa em 1808, a região de Botafogo passou de uma zona rural da cidade a um local preferido pelos nobres portugueses para a construção de suas novas residências no Brasil.

Em 1891, um remador brasileiro chamado Luiz Caldas, mais conhecido pela alcunha de Almirante, iniciou sua carreira no Club de Regatas Guanabarense (criado em 1874). Revoltado com o seu clube de origem e afirmando: "Aquilo lá virou um antro de jogatina!", o Almirante se desligou do seu clube original e junto com outros desencantados fundou o Grupo de Regatas Botafogo. O nome foi escolhido em homenagem ao bairro onde se localizava a enseada onde o grupo remava.
Luiz Caldas em 1891
Em 1891 e 1892, estouram as Revoltas da Armada. Reações da marinha brasileira às violações da constituição, cometidas inicialmente pelo primeiro presidente brasileiro - o marechal Deodoro da Fonseca, que ordenara o fechamento do Congresso; e depois pelo seu vice - marechal Floriano Peixoto, que assumira em seu lugar após a sua renúncia mas não convocara novas eleições como determinava a constituição da época.

Entre os líderes dos revoltosos figuravam o almirante Custódio de Melo e o comandante Guilherme Frederico de Lorena, ambos pais respectivamente de João Carlos de Melo (o John) e de Frederico Lorena (o Fritz), que eram sócios do Grupo de Regatas Botafogo. Essa ligação com os revoltosos, colocou o grupo sob suspeita do governo brasileiro. Por conta dessa desconfiança e da perseguição, John e Fritz fugiram do Rio de Janeiro, Luiz Caldas foi preso, e o grupo suspendeu suas atividades.

Pouco tempo depois, Luiz Caldas faleceu (em 25/6/1894) e não viu a fundação pelos demais 40 sócios do antigo grupo, em 01/07/1894, do CLUB DE REGATAS BOTAFOGO.
Quatorze dos 40 fundadores do Club de Regatas Botafogo
Escudo do Club de Regatas Botafogo
O clube se instalou em um casarão localizado na praia de Botafogo, junto ao morro do Pasmado, onde hoje termina a avenida Pasteur. Ali foi a sede do clube até sua demolição em 1907 para a abertura do túnel do Pasmado.
Primeira sede do Club de Regatas Botafogo
Na virada do século XIX para o século XX, o remo era o esporte mais popular da cidade. Os cariocas, para dizerem que fazia um lindo domingo de sol, cunharam uma frase famosa na época: "Hoje está um Domingo de regatas!". Nestes anos surgiram além do Botafogo, outros clubes de remo famosos que existem até hoje (Flamengo e Vasco da Gama).

Em 1899, com uma embarcação lendária chamada Diva - venceu 22 das 22 regatas que disputou, o Botafogo sagrou-se campeão carioca de remo e com isso tornou-se o único clube brasileiro ainda em atividade com títulos em três séculos (XIX, XX e XXI).

Conquistou também o I Campeonato Brasileiro de Remo em 1902, tornando-se o primeiro clube brasileiro a obter uma conquista de alcance nacional em qualquer desporto.

Há uma ligação histórica do Botafogo com um dos seus principais rivais. O Flamengo surgiu (como veremos daqui a algumas postagens...) como uma reação dos rapazes do bairro vizinho a Botafogo. Foi também graças a uma lancha botafoguense que remadores rubro-negros foram salvos de um naufrágio ocorrido com a baleeira Sycra, durante uma travessia de Niterói ao Rio de Janeiro.

E talvez a mais curiosa ligação entre os tradicionais rivais resida na disputa de um jogo de futebol antes mesmo de ambos os clubes disputarem partidas de futebol, o que viria a ocorrer muitas e muitas vezes no futuro.

Antes mesmo do futuro nascimento do Botafogo Football Club em 1904, ou da criação de um departamento de futebol no Clube de Regatas do Flamengo em 1912, os clubes de regatas Botafogo e do Flamengo, disputaram uma partida de futebol no dia 25/10/1903, no campo do Paysandu, que terminou com a vitória dos alvinegros por 5 x 1!!

E por falar em futebol, no ano seguinte surgiria a outra "parte" do que hoje chamamos de Botafogo de Futebol e Regatas...