sexta-feira, 29 de maio de 2015

Origens - 3.2 - Club de Regatas Vasco da Gama: dos imigrantes portugueses à fundação do clube.

A imigração portuguesa para o Brasil, iniciada desde quando aportou na Bahia em 1500 o navegador Pedro Álvares Cabral, é em termos quantitativos a segunda maior verificada em nosso país, superada apenas pela imigração dos negros escravizados que vieram da África.

Ocorrida durante mais de três séculos e mantida mesmo após a independência do Brasil, a imigração portuguesas deixou profundas heranças para nossa cultura e para a formação do povo brasileiro: hoje em dia, a maioria dos brasileiros possui alguma ancestralidade portuguesa.

A origem socioeconômica do português imigrante é muito diversificada: de uma próspera elite nos primeiros séculos de colonização, passou-se a um fluxo crescente de imigrantes pobres a partir da segunda metade do século XIX.

Neste período, o aumento demográfico expressivo ocorrido em Portugal, a crescente mecanização das atividades agrícolas, produzindo um excedente de trabalhadores rurais e o empobrecimento de pequenos proprietários, causaram uma explosão no fluxo imigratório luso para o Brasil. Ainda persistia em regiões mais interioranas de Portugal o mito da fortuna fácil no Brasil.

Imigrantes portugueses à espera do navio para o Brasil
 
Esses pequenos proprietários rurais pobres, rudes, originários do norte de Portugal, da região do Minho, contribuíram para a formação da imagem negativa e preconceituosa do imigrante português, estigmatizando-os como pessoas pouco qualificadas intelectualmente, gerando um anedotário pouco condizente com a rica herança cultural que nos deixou o povo português. Esse anedotário pode ser entendido como o lado mais popular do debate entre políticos e intelectuais do país que se preocupavam, sobretudo, em definir e afirmar a identidade nacional. Nesse contexto, as anedotas expressavam a rejeição do povo brasileiro ao seu passado colonial.

Sobre esse típico imigrante português, escreveu Raimundo da Cunha Mattos, em 1820: 

"O português pobre, ao desembarcar nos portos brasileiros, veste polaina de saragoça (...) e calção, colete de baetão encarnado com seus corações e meia (...) geralmente desembarca dos navios um pau às costas, duas réstias de cebolas, e outras tantas de alho... e... uma trouxinha de pano de linho debaixo do braço. Eram minhotos que, para sobreviver, dormiam na rua e procuravam ajuda de instituições de caridade."

Uma lei brasileira de 1850 -  a Lei de Terras, que estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra, extinguindo a anterior baseada na simples posse desde os tempos coloniais, acabou por empurrar o fluxo imigratório português para as cidades e não para o campo. Mesmo os imigrantes que vinham com o intuito de se tornarem agricultores, logo após o desembarque, desistiam e procuravam se instalar nas vilas e centros urbanos do Brasil. O Rio de Janeiro por ser a capital do Império oferecia mais oportunidades e por isso acabou se tornando o destino preferido, nesta época, dos imigrantes portugueses.

De capital do Império, após a proclamação da República em 1889, o Rio de Janeiro passou à capital da República. O remo era o esporte que mais atraia a juventude carioca no final do século XIX. Os clubes para a pratica dessa atividade desportiva, também chamado de rowing na época, eram fundados por homens de uma sociedade que se transformava, mais arejada, de um Rio de Janeiro que já prenunciava a modernidade física que estava por vir. A cidade que sempre favoreceu a prática de esportes estava começando a descobrir isso e uma baia de Guanabara limpa e aprazível era um convite a colocar as baleeiras no mar.

Cariocas reunidos na orla de Botafogo para assistir a uma regata

Diversos clubes náuticos surgiram nesta época reunindo jovens da alta classe média e da aristocracia carioca residentes na zona sul. Para os moradores da zona portuária e do Centro do Rio, onde se concentrava a colônia portuguesa da baixa classe média, frequentar tais clubes da zona sul significava um longo e dispendioso deslocamento
Foi quando quatro jovens cariocas, todos descendentes de portugueses, residentes nesta mesma região portuária e central do Rio de Janeiro, chamados Henrique Ferreira Monteiro, Luís Antônio Rodrigues, José Alexandre D'Avelar Rodrigues e Manuel Teixeira de Sousa Júnior, se reuniram no número 90 da rua Teófilo Otoni, no Centro, onde se localizava um sobrado que servia de moradia para Henrique Ferreira Monteiro, para discutir a ideia da fundação de um clube de regatas.

José Alexandre D'Avelar nos anos 40


Cansados de terem que viajar todo o fim de semana para Niterói para praticarem seu esporte preferido no Clube de Regatas Gragoatá, a ideia de fundar um clube com sede no Rio de Janeiro, próximo ao local onde moravam e trabalhavam soara tentadora e outras reuniões foram realizadas e cada vez mais adeptos à ideia se juntavam ao grupo.

Discutiam entre outras coisas, o nome do futuro clube. Ideias como Álvares Cabral e Santa Cruz não vingaram, e a escolha recaiu para o nome do grande almirante luso VASCO DA GAMA porque naquele ano de 1898 era comemorado o aniversário de 400 anos do seu maior feito: a descoberta do caminho das Índias.

Notícias sobre tais reuniões se espalharam entre a comunidade portuguesa e chegaram aos ouvidos de Francisco Gonçalvez do Couto Júnior, pertencente a uma família dona de lojas e armazéns comerciais. Ele e seus quatro irmãos se empolgaram com a ideia e o futuro clube ganhou força: Francisco era proprietário de barcos de remo além de ter certo prestígio na sociedade carioca da época.

Francisco Gonçalvez do Couto Júnior
Então, em um domingo - dia típico para realização de regatas, no dia 21 de agosto de 1898, 62 adeptos da ideia original daqueles quatro jovens, quase todos portugueses ou brasileiros descendentes de portugueses, mas todos praticantes do remo, se reuniram em assembleia, numa sala da Sociedade Dramática Filhos de Talma, no número 293 da Rua da Saúde, sob a presidência de Gaspar de Castro, registraram na ata de fundação:

"Aos 21 dias do mês de Agosto de 1898, as 2:30 horas da tarde, reunidos na sala do prédio da Rua da Saúde numero 293 os senhores constantes do livro de presenças, assumiu a presidência o Sr. Gaspar de Castro e depois de convidar para ocuparem as cadeiras de secretários os senhores Virgílio Carvalho do Amaral como 1o. e Henrique Ferreira como 2o., declarou que a presente reunião tinha o fito de fundar-se nesta Capital da Republica dos Estados Unidos do Brasil, uma associação com o titulo de Club de Regatas Vasco da Gama…"

Nesta mesma reunião de fundação, foi eleita a diretoria e o presidente: Francisco Gonçalvez do Couto Júnior que recebeu 52 votos pela sua eleição. A primeira diretoria não foi empossada no mesmo dia porque alguns dos eleitos não estavam presentes naquele momento, o que só foi ocorrer uma semana depois, no dia 28/08/1898, numa cerimônia realizada no Clube Dançante Recreativo Arcas Comercial.

Também nesta assembleia, por sugestão do fundador José de Freitas (o mesmo que depois desenvolveria o escudo, a bandeira e a flâmula do novo clube), foi decidido que sob nenhum motivo o clube mudaria de nome ou de cores. Para o seu pavilhão e uniforme foi escolhido ao fundo a cor negra representando os mares obscuros navegados pelas caravelas portuguesas nos séculos XV e XVI, sobre a qual corria uma faixa diagonal em branco, representando o caminho marítimo das Índias descoberto pelo Almirante Vasco da Gama e a mesma faixa diagonal que simboliza o estandarte que Vasco da Gama recebeu do rei D. Manuel I por sua realização, com a Cruz de Cristo ao centro, que protegeu e guiou os navegadores portugueses por mares nunca antes navegados.

Estando o clube fundado, os próximos passos seriam a instalação da sede do clube e a filiação à União de Regatas (espécie de liga do remo da época) para disputa dos campeonatos de remo...

Um comentário:

  1. Maravilha meu amigo! Transforme estes textos em livro! Eu comprarei! Abraço!

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