domingo, 19 de julho de 2015

Origens - 3.4 - Club de Regatas Vasco da Gama: "No futebol és um traço de união Brasil - Portugal!"

O sucesso no remo inspirou o clube a se aventurar em outros desportos. Surgia um novo esporte nos primeiros anos do século XX, importado da Inglaterra por rapazes de famílias abastadas da sociedade carioca. O football aos poucos foi despertando o interesse do povo carioca e a sua prática, muito mais barata e de fácil assimilação, foi cada vez mais se popularizando.

Em 1913, com a intenção de inaugurar o seu novo campo localizado na Rua General Severiano, o Botafogo Football Club traz de Portugal um selecionado formado por jogadores do Clube Internacional, do Sporting Clube de Lisboa e Sport Clube Império, todos com sede na capital portuguesa. No amistoso, os visitantes venceram por 1 a 0.


Selecionado de Lisboa em 1913
 
A vitória e a presença do selecionado de Lisboa, motivou a colônia portuguesa a fundar três clubes de futebol: o Centro Esportivo Português, o Luso Futebol Clube e o Luzitânia Sporting Club.Todos tiveram vida curta, mas o último - Luzitânia, acabou fundindo-se ao Vasco, trazendo no processo os sócios e todo o material para a prática do futebol (uniformes, chuteiras, bolas, etc.).

As conversas entre os dois clubes se desenrolaram em novembro de 1915, mas o desfecho foi rápido: a fusão foi concretizada em 26/11/1915. Havia posicionamentos contrários em ambos os clubes.

No Vasco, os sócios mais ligados ao remo, já temendo a grande popularização do novo esporte, tentaram resistir, mas foram vencidos pela maioria entusiasmada com o futebol. No Luzitânia também houve resistência à fusão com um clube de remo, mas um detalhe acabou por vencer a resistência de seus sócios. Naquele tempo, o regulamento da Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA) exigia a presença de pelo menos um jogador brasileiro no plantel de seus filiados e o estatuto do Luzitânia não permitia a associação de não portugueses, enquanto que no Vasco, como diz em seu estatuto, havia a "união sob o mesmo pavilhão de irmãos de diferentes raças".

Efetivada a fusão e a criação do departamento de futebol no Vasco da Gama, logo após a posse de uma nova diretoria eleita para o ano de 1916, o clube requereu sua filiação à LMSA o que foi aprovado em fevereiro do mesmo ano. Assim o Vasco iniciaria a sua caminhada no futebol na terceira divisão do campeonato carioca de 1916.

Apesar de o uniforme do Vasco utilizado desde 1899 nas regatas já ser tradicional conhecido até hoje - camisas negras com a diagonal em branco, para o futebol foi decidida a adoção de um uniforme semelhante ao utilizado pelo Luzitânia, que era inspirado no selecionado de Lisboa: camisa negra com punhos e golas brancas. A diferença seria a colocação da Cruz de Malta no lado esquerdo do peito em substituição à Esfera Armilar portuguesa.

Primeiro uniforme da equipe de futebol do Vasco


Esse uniforme consagrou e deu a marca pela qual ficaram conhecidos os primeiros esquadrões vascaínos no futebol: os Camisas Negras! Esse foi o uniforme do futebol vascaíno até os anos 40.

A estreia nos campos de futebol foi um desastre: uma derrota acachapante por 10 a 1 para o Paladino Futebol Clube!! O primeiro gol vascaíno da história foi marcado por Adão Antônio Brandão (quando o placar já apontava uma goleada de 8 a 0...), um ex-futebolista português que passou a jogar pelo Vasco vindo do Luzitâna e que havia se mudado para o Brasil para trabalhar na fábrica de calçados de seu avô materno, por ordens de seus pais, que não se conformavam com sua falta de gosto pelos estudos. Nos tempos do amadorismo, Adão marcou seu nome na história do Vasco da Gama como um atleta polivalente e sendo considerado por muitos o maior atleta de todos os tempos do clube cruzmaltino. Ele teve destaque tanto no futebol como no atletismo, remo, natação, polo aquático, tênis de mesa e tiro.

Adão Antônio Brandão


Apesar da derrota dura da estreia, o Vasco não esmoreceu e a primeira vitória aconteceu no mesmo campeonato, em 29/10/1916, quando venceu o River, no campo do São Cristóvão, por 2 a 1, com gols de Cãndido Almeida e Alberto Costa. A vitória conseguida diante de uma equipe que foi a campo com apenas nove jogadores, não evitou a última colocação no campeonato da terceira divisão daquele ano. Ficou claro para o clube que para vencer tanto quanto vencia no remo, era necessário mais que entusiasmo, mais que a base formada por jogadores portugueses oriunda do Luzitânia.

Foto mais antiga de um time de futebol do Vasco, datada de 1915

Apesar de basicamente ser um clube de colônia, o Vasco seguiu a tradição e o gosto do português pela mistura. Enxergou em qualquer bom jogador que disputava peladas pelos subúrbios do rio ou que jogava em clubes pequenos da periferia, longe dos sócios mais ricos que disputavam o football dos grandes clubes da época, uma oportunidade de melhorar o nível de seu time de futebol.

Mesmo tendo se classificado na última posição do campeonato da terceira divisão em 1916, no ano seguinte o Vasco estreou na segunda divisão do campeonato carioca. Devido à extinção da LMSA e a criação da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) em 1917, e ao sucesso do campeonato carioca de 1916 que causou um grande procura por filiação na nova liga. Para evitar o inchaço de participantes, todos os clubes da terceira divisão de 1916 foram automaticamente promovidos à segunda divisão em 1917, enquanto que os novos filiados entrariam na terceira divisão.

Na segunda divisão em 1917, com um time muito mudado e já adotando a filosofia democrática que o diferenciaria de todos, a equipe melhorou e os resultados positivos apareceram. Terminou o campeonato em quarto lugar e ainda com dois triunfos, no turno e no returno, contra o seu algoz da estreia: o Paladino. Nos três anos seguintes, cada vez mais reforçado pelos jogadores selecionados nos clubes de menor expressão das ligas suburbanas, o Vasco foi se afirmando para o sucesso que viria a seguir.

1920 se transformou num ano especial para o Vasco por ser o ano de sua primeira conquista no futebol. Numa época em que substituições de jogadores durante os jogos não eram permitidas, os reservas dos times disputavam campeonatos paralelos, chamados campeonatos de segundos quadros. Em 1920, Vasco e Helênico terminaram os turnos empatados e uma partida extra decisiva foi disputada já em 1921 com vitória vascaína por 4 a 2.

Em 1921 há uma nova modificação na estrutura das divisões de futebol na LMDT. A primeira divisão foi dividida em duas séries: A e B. A série A com os sete primeiros colocados da primeira divisão de 1920, e a série B com os três últimos colocados da primeira divisão do ano anterior mais os quatro primeiros colocados da segundona de 1921. O Vasco havia se classificado no fim do campeonato de 1921 em quarto lugar e assim ascendeu a série B da primeira divisão do campeonato carioca de 1921.



Na sua estreia na primeira divisão do campeonato carioca uma vitória por 2 a 0 sobre o Palmeiras A. C., em jogo disputado no campo da Rua General Severiano e no fim sua melhor colocação em torneios de futebol até então: um terceiro lugar!

Em 1922 finalmente o Vasco chegou ao seu primeiro título com o seu team principal. Para isso contratou o técnico uruguaio Ramón Platero que já havia sido campeão carioca pelo Fluminense em 1919 e pelo Flamengo em 1921. Os métodos do novo treinador vascaíno foram revolucionários para uma época em que preparo físico e concentração eram coisas desconhecidas no futebol carioca. Platero fazia os jogadores do Vasco dormirem no clube e os acordava antes do sol nascer para extenuantes treinos físicos. O time ganhou fôlego como nenhum outro e foi o diferencial da meteórica ascensão vascaína.

Ramón Platero
 
O título em 1922 deu direito ao Vasco de disputar com o São Cristóvão, último colocado da série A da primeira divisão do campeonato carioca em 1922, uma partida para se definir quem iria disputar a série A em 1923. A partida terminou empatada em zero a zero e como o regulamento não previa uma forma de desempate, a liga optou aumentar o número de participante da série A de sete para oito clubes, e assim, além de manter o São Cristóvão, garantiu a participação do Vasco na principal divisão do futebol carioca em 1923.

1923 talvez tenha sido o ano mais importante da história do Club de Regatas Vasco da Gama. Neste ano, o Vasco celebrava 25 anos de sua fundação, mas quem mais comemorou foi o futebol e a sociedade carioca. O Vasco se sagrou campeão na sua estreia na série principal da primeira divisão do futebol carioca!

Vasco da Gama campeão carioca de 1923 - em pé: Nicolino, Mingote, Nélson, Leitão Artur e Bolão; sentados: Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito



Pouco notado no início do campeonato, afinal o que poderia fazer mais um clube oriundo da periferia carioca, cheio de jogadores mestiços e pobres como muitos outros que já vinham disputando o campeonato? Mas o Vasco, a partir da revolução dos métodos de treinamento de Platero, foi um a um vencendo a todos e terminou o primeiro turno invicto e com a façanha de ter vencido todos os grandes da época: 3 a 1 no Botafogo, 3 a 1 no Flamengo, 1 a 0 no America e 1 a 0 no Fluminense.

Uma verdadeira revolução se operava no futebol carioca. As tradicionais arquibancadas desses clubes, antes restritas a elite, eram cada vez mais invadidas pela massa que queria ver o Camisas Negras em ação. O futebol se popularizou de vez! Os brancos mais abastados dos clubes de elite tiveram a surpresa de serem vencidos por uma equipe formada por negros e mestiços, por suburbanos. O incômodo gerado foi tão grande que todas as torcidas dos grandes se uniram em um jogo para derrotar o Vasco. No segundo turno, contra o Flamengo o Vasco conheceu sua única derrota por 3 a 2 (alguns mais antigos ainda alegam que o gol de empate fora marcado e mal anulado pelo então árbitro Carlito Rocha que anos depois se tornaria presidente do Botafogo).

Mas a derrota de nada serviu aos grandes. O Vasco da Gama ali fincava o pé no futebol carioca e mostrava ao mundo que o futebol podia sim ser praticado por todos, que qualquer um que se propusesse a se dedicar ao futebol podia também vencer. Um GIGANTE nasceu com o título carioca de 1923.

O futebol do Rio de Janeiro nunca mais seria o mesmo.