terça-feira, 8 de setembro de 2015

Origens - 4.3 - Fluminense Football Club: "Nós somos a história do futebol... carioca!!"

Durante a viagem de volta da excursão à São Paulo, os integrantes do Rio Team tem a ideia de fundar um clube exclusivamente dedicado ao foot-ball com sede na cidade do Rio de Janeiro.

Em novembro de 1901 ocorreu então a primeira tentativa de fundação do Rio Foot-ball Club. Oscar Cox, Mário Frias e C. Robinson redigem um convite e o encaminham a vários jovens que, como eles, gostavam do novo esporte.

"Temos a honra de vos convidar para tomar parte na reunião que se effectuará Sábado, 30 do corrente às 8 ¹/² da noite à Rua LARANGEIRAS CLUB, afim de tratar da fundação do RIO FOOT-BALL CLUB."
As disputas entre aqueles que queriam um clube só formado por ingleses se contrapunha à ideia daqueles que, como Cox, reivindicavam um clube com ingleses e brasileiros. Isso levou ao cancelamento da reunião.

Em julho de 1902, o Rio Team volta à São Paulo para mais duas partidas disputadas contra o Paulistano - disputado no Estádio do Velódromo em 13/07/1902 quando foram derrotados por 1 a 0; e contra o Internacional - no mesmo local em 14/07/1902 quando foram novamente derrotados por 3 a 0.

Rio Team na segunda excursão à São Paulo.

Os resultados negativos não foram os únicos problemas encontrados pelos atletas cariocas. As diferenças entre os atletas ingleses do grupo (oriundos do Rio Cricket) e o grupo liderado por Oscar Cox ficam mais acirradas quando Cox deixa de fora do time o capitão inglês Mr. Machentock. Esse, não aceitando a sua barração e aproveitando-se da ausência do team em São Paulo, procura os senhores H. Palm, J. Pererira, R. Lima  e A. Serqueira para, com apoio destes organizar uma sessão que em 18/07/1902 funda o Rio Foot-Ball Club. A sessão aconteceu na sede do extinto Club de Natação e Regatas, organizando-se então o primeiro clube desse gênero (dedicado ao futebol) no Rio de Janeiro. O clube nasceu inicialmente fechado apenas para atletas de origem inglesa como era o desejo de seus fundadores, mas logo em seguida abriu as portas para sócios brasileiros.

Ao saber da fundação do novo clube, ainda em São Paulo, Oscar Cox e seu grupo decidiram também fundar o seu clube assim que chegassem ao Rio de Janeiro.

O local marcado para a reunião de fundação foi a casa de Horácio da Costa, localizada na Rua Marquês de Abrantes, nº 21, no Flamengo. Ali, Oscar Cox (então com 22 anos de idade), juntamente com 19 companheiros, todos pertencentes a uma parcela privilegiada da sociedade carioca, fundou em 21 de julho de 1902 o Fluminense Foot-Ball Club. Vinte homens escolhidos por convite, assinaram a ata de fundação do clube, colocando ao lado de suas assinaturas os seus endereços: todos moradores da Zona Sul carioca em bairros como Botafogo, Flamengo e Laranjeiras; ou de ruas nobres do Centro, como Rua do Ouvidor e Rua da Quitanda.

"FLUMINENSE FOOT-BALL CLUB - Segunda-feira, 21 do corrente, às 8 ¹/² horas da noite, haverá uma reunião à Rua M. de Abrantes nº 21 afim de tratar-se da fundação deste club."

A nova agremiação nasceu com o que de melhor havia na sociedade carioca, embora se diferenciasse do seu rival de então por aceitar em seus quadros tanto brasileiros como estrangeiros.

A escolha do nome possui duas versões. A primeira diz que o nome é oriundo do hábito da época de chamar a todos que nasciam no estado do Rio de Janeiro, independentemente de ser na capital ou no interior, de fluminenses, pois a distinção entre cariocas e fluminenses só se estabeleceu por Lei em 1892, quando o município do Rio de Janeiro passou a ser o Distrito Federal. Mesmo após a Lei, o costume era chamar a todos de fluminenses. Além disso, durante às excursões à São Paulo, os jornais paulistas referiam-se aos jogadores do Rio Team como fluminenses.

A outra versão, menos aceita, diz que uma vez não podendo mais utilizar o nome inicialmente escolhido (Rio Foot-Ball Club), foi feita uma correlação ao vocábulo latino flumen, que significa fluvial ou relativo ao rio. Dessa analogia chegou-se ao termo fluminense.

Nessa primeira sessão, Orcar Cox foi eleito presidente e duas comissões foram formadas: uma para arranjar um terreno para servir de campo para disputas de partidas do novo clube e outra para redigir o estatuto da nova agremiação.

A primeira tentativa em relação ao campo foi um terreno localizado na Rua Dona Mariana em Botafogo, mas o aluguel era muito caro e a ideia logo foi abandonada. Outro local então foi encontrado na Rua Guanabara (atual Rua Pinheiro Machado), bem ao lado do Palácio Guanabara (antiga residência da Princesa Isabel). O terreno foi alugado ao Banco da República em 17/10/1902. Dois anos depois, Eduardo Guinle comprou a casa dos fundos do terreno para transformá-la em sede do clube, além de todo os terrenos em volta do campo para ampliação do clube.

Terreno alugado na Rua Guanabara
Na assembleia em que foi comunicado o aluguel do campo onde funcionaria o clube, em 17 de outubro de 1902, também foi aprovado o estatuto do clube, que a essa altura já contava com 55 sócios.

Nessa mesma reunião, também foi definido o uniforme: compunha-se de camisa branca e cinzento claro, metade de cada cor, com gola, trazendo o escudo no peito no lado esquerdo, também branco e cinzento, metade de cada cor, e monograma em vermelho. Como complemento, calção branco, meiões pretos e boné cinzento com traços em direção horizontal. Os jogadores do primeiro quadro tinham o direito de usar os bonés cinzento e branco, de meio a meio, comk o escudo do clube em ponto pequeno.

A bandeira do clube seria branca e cinzenta, formando dois triângulos iguais, um de cada cor, tendo sobre o triângulo branco, no alto à direita, o escudo do clube em ponto grande, com orla e monogramas vermelhos.




Na assembleia de 10/10/1902, novos sócios são admitidos e entre eles aqueles que seriam de suma importância nos anos iniciais do tricolor: os Gaffrée e os Guinle.

Ainda em 1902, no dia 19 de outubro, o Fluminense disputou o seu primeiro jogo oficial contra o time que lhe "roubara" a ideia de nome: o Rio Foot-Ball Club. E a vingança foi consumada com um sonoro 8 a 0!! Depois dessa partida, várias outras foram disputadas contra seus rivais Rio Foot-Ball Club e Paysandu Cricket Club.

O destaque para a partida realizada em 11/06/1903, no campo do Rio Cricket em Niterói, num jogo não oficial entre brasileiros (todos sócios do Fluminense) e ingleses. Nessa partida, o Flu jogou pela primeira vez com o seu primeiro uniforme branco e cinza claro.


Já em 1904 uma mudança significativa foi observada. Oscar Cox em viagem à Londres para compra de novos uniformes para o time, encontrou dificuldades para achar camisas nas cores branca e cinza claro. Assim enviou carta ao clube, que foi lida em assembleia extraordinária ocorrida em 15/07/1904, onde a sugestão de novas cores foi aceita e terminou com um debate interno no clube, pois a cores inicialmente escolhidas não agradavam a todos.

A nova camisa possuía listas verticais largas, intercaladas com as cores verde e encarnado, e entre elas frisos finos na cor branca. O calção foi mantido branco assim como os meiões pretos. A bandeira também mudou passando a ter dois retângulos, sendo o superior na cor encarnado e o inferior na cor verde, sendo separados por uma fina lista horizontal em branco. No centro da bandeira, o novo escudo: um brasão seguindo a distribuição das cores da bandeira e contendo as iniciais do clube (FFC) estilizadas em branco. A escolha pelas novas cores provavelmente foi casual já que não há registro histórico dos motivos de tais opções.

O novo uniforme só seria utilizado pela primeira vez em 07/05/1905 numa partida contra o Rio Cricket e a estreia foi animadora: vitória por 7 a 1.



No dia 14/08/1904 foi disputada a primeira partida oficial do Fluminense em seu campo nas Laranjeiras, quando recebeu o Paulistano e foi derrotado por 3 a 0. Nessa partida pela primeira vez foi registrada a venda de ingressos e exatos 996 espectadores assistiram a peleja.

Finalmente em 1906 foi organizado o primeiro campeonato estadual de futebol (em São Paulo já existia disputa desde 1902). Apenas seis clubes disputaram o campeonato: Fluminense Football Club, Paysandu Cricket Club, Rio Cricket and Athletic Association, Botafogo Football Club, The Bangu Athletic Club, e Football and Athletic Club.

O campeonato foi disputado em turno e returno e o Flu conquistou o primeiro dos seus atuais 31 títulos estaduais.

Fluminense Campeão Estadual de 1906

Um gigante nascera naquele longínquo 1902... Do sonho de rapazes em introduzir um novo esporte na cidade, nasceu um clube enorme do qual pode-se dizer sem muito erro, derivaram todos os demais grandes do Rio. O Flu nasceu pelo e para o futebol. A história do futebol carioca e até mundial, passa pelo Fluminense. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Origens - 4.2 - Fluminense Football Club: "Nós somos a história do futebol... fluminense!!"

O estado republicano instalado em 1889 caracterizou-se por um movimento de cunho liberal baseado no federalismo, em que as elites oligárquicas do país eram as grandes beneficiadas. Havia um esforço das elites brasileiras da época em fazer valer à sociedade um conjunto de valores que se consagraram à partir da industrialização e da consolidação do capitalismo.

Estes princípios ganharam força nas reformas arquitetônicas, sanitárias e pedagógicas impostas na cidade do Rio de Janeiro, capital e modelo exportador de cultura e valores para o resto do país, inspiradas na Belle Époque francesa, no final do século XIX.
Avenida Central no início do século XX
Nesse espírito, as elites brasileiras advindas da proclamação da República buscam novos padrões de sociabilidade e novas referências culturais na modernidade europeia que as distanciassem de um passado colonial marcado pela escravidão. Esse empenho, no âmbito do lazer, implicou a busca de formas de recreação que excluíam este passado, em uma dinâmica do processo civilizatório brasileiro que se configurava em formas de controle das relações sociais, bem como de autocontrole dos indivíduos através do desenvolvimento de práticas esportivas que teriam um papel catalisador das emoções.

A saúde corporal passou a ser uma preocupação. Era necessário mudar a imagem do Rio de Janeiro de uma cidade suja e doente. As praias tornaram-se locais de banhos, receitados por médicos como uma atividade saudável. Durante uma boa parte do século XIX, a população carioca viveu indiferente ao esporte - acreditava-se que o esforço físico era nocivo à saúde.

Como já vimos nas origens dos outros clubes, no final do século XIX, surgiram as regatas e vários clubes náuticos foram criados. O surgimento de tantos clubes de regatas revela que os espaços litorâneos deixaram de ser vistos apenas como locais de pesca e de tratamento da saúde para tornarem-se locais de práticas esportivas e de confraternização.

Além das regatas, surge também no mesmo período o turfe, promovido por ricos comerciantes e proprietários de cavalos, que chegava a levar 4 mil pessoas ao hipódromo.

Toda essa onda de adesão a uma vida atlética e mais saudável proporcionou ao futebol as condições perfeitas para sua divulgação e adesão.

Em agosto de 1872, um grupo de jovens ingleses apaixonado pela prática de esportes, fundou uma agremiação chamada Rio Cricket Club para a prática do cricket - um esporte amplamente difundido na Inglaterra, se instalando num terreno alugado localizado na antiga Rua Berquó (atual Rua General Polidoro em Botafogo). Em 1880, o clube se mudou para a Rua Paysandu, no bairro do Flamengo, passando a adotar o nome de Paysandu Cricket Club. A mudança não agradou a parte dos fundadores que em 1897 fundam o Rio Cricket & Athletic Association e se instalam no bairro de Icaraí, em Niterói.



Rivais nos campos de cricket, os associados das duas agremiações já se divertiam com outro esporte importado da Inglaterra: o futebol. Marinheiros ingleses quando aportados no Rio de Janeiro, costumavam a disputar "peladas" nas praias do Rio. Tais disputas porém, não eram regidas pelas regras oficiais da Foot-Ball Association, entidade fundada em 1863 que buscava a unificação das regras do futebol.

Em 1897, retornava de Lausanne - Suíça, onde cursara "Humanidades" no Institut La Villa, um menino de 17 anos chamado Oscar Alfredo Sebastião Cox, nascido a 20/01/1880, no Largo dos Leões, no bairro do Humaitá, filho de George Emmanuel Cox, cidadão inglês nascido em Guayaquil - Equador (onde seu pai fora vice-cônsul da Inglaterra), e um dos fundadores do Rio Cricket & Athletic Association e seu segundo presidente, e da carioca Minervina Dutra Cox.

Oscar Cox
 
O comércio exterior permitiu à família Cox ganhar dinheiro suficiente para seguir uma tradição muito comum entre a elite econômica do final do século XIX de mandar os seus filhos estudar no velho continente. Assim como seus quatro irmãos, o jovem Oscar foi complementar seus estudos na Europa.

Oscar Cox, que quando menino ainda no Brasil já havia disputado algumas "peladas" no Colégio Abílio com uma bola trazida por sua família por volta de 1890, ao retornar de sua temporada de estudos na Suíça tentou encontrar jovens determinados a praticar o jogo cujas regras e prática ele aprendera na Europa.

A origem inglesa da família Cox permitiu aos mesmos a associação ao Paysandu Cricket Club em 1892. Além desse, a família também frequentava o rival Rio Cricket & Athletic Association em Niterói.

Foi exatamente neste clube em Niterói que Oscar Cox e seu amigo Victor Etchegaray organizaram, no dia 1º de agosto de 1901, aquela que é considerada a primeira partida de futebol disputada sob as regras oficiais da Foot-Ball Association no Rio de Janeiro. Após jogarem dois tempos de 20 minutos cada, com 15 minutos de intervalo, empataram em 1 a 1. A peleja foi disputada entre um time de amigos de Cox (jovens estudantes) e o time do Rio Cricket formado por ex jogadores ingleses erradicados no Brasil (funcionários de bancos ingleses, do consulado inglês e de empresas de navegação marítima). Esse jogo despertou quase nenhum interesse dos cariocas (houve apenas 15 pessoas assistindo-o, todos familiares e amigos dos jogadores, além de tenistas que estavam ali por acaso). Mesmo assim, o jornal Correio da Manhã deu destaque à peleja.

Depois dessa partida, mais dois jogos foram disputados, dessa vez no Rio de Janeiro (no campo do Paysandu), mas o resultado não foi diferente: dois empates. Os resultados e o pouco interesse inicial não desanimou o grupo que, após uma série de cartas trocadas entre Oscar Cox e René Vanorden - velhos colegas de escola na Suíça, partiu em uma excursão para São Paulo. Nessa viagem, o time foi batizado como Rio Team.

Assim a primeira partida interestadual de futebol disputada no Brasil ocorreu em 19 de outubro de 1901 entre o Rio Team e o São Paulo Scratch Team.


Rio Team - Em pé, da esquerda para a direita: Mario Frias, Walter Schuback e Louis da Nóbrega; agachados: Oscar Cox, A. Wright e J. McCulloch; sentados: Francis Walter, Horácio da Costa Santos, Eurico de Moraes, Júlio de Moraes e Félix Frias.
A disputa serviu para inauguração do Estádio do Velódromo, do São Paulo Athletic, e foi assistida por 500 espectadores, apesar do horário inusitado em que foi realizada: às 4h55min da manhã... O match, como se chamava na época, terminou empatado em 2 a 2. No dia seguinte, nova partida é disputada e novo empate ocorre: 0 a 0.

O grupo carioca se animou com os resultados obtidos em São Paulo e ao voltar para o Rio de Janeiro, executam a primeira tentativa de fundar um clube totalmente dedicado ao foot-ball.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Origens - 4.1 - Fluminense Football Club: "Nós somos a história... do Futebol!!"

É muito comum no Rio de Janeiro se dizer que a história do futebol carioca se iniciou junto com o Fluminense. Os próprios tricolores utilizam um slogan que traduz bem essa ideia: "Nós somos a história".

Apesar de já haver relatos de que havia a prática do futebol na cidade do Rio de Janeiro antes do Fluminense, é inegável a importância do clube tricolor na implantação do novo esporte em terras cariocas. Uma cidade com uma vocação marítima fortíssima, a partir do pioneirismo dos fundadores do Fluminense, passa paulatinamente a se voltar para um esporte eminentemente terrestre.

Não se pode iniciar a história do Fluminense sem antes se falar da história do futebol. O Flu nasceu exclusivamente pelo e para o futebol, diferentemente dos seus atuais rivais cariocas que de uma forma ou de outra, acabaram por se render ao esporte que os tricolores introduziram na cidade.

Os primeiros relatos conhecidos sobre algo parecido com o futebol atual remontam à China Antiga, por volta de 3000 a.C, durante a dinastia de Han, os militares chineses praticavam um jogo que na verdade era um treino militar chamado Tsuh Kuh. Após as guerras, formavam equipes para chutar a cabeça dos soldados inimigos. Com o tempo, as cabeças dos inimigos foram sendo substituídas por bolas de couro revestidas com plumas e cabelo. Formavam-se duas equipes com oito jogadores e o objetivo era passar a bola de pé em pé sem deixar cair no chão, levando-a para dentro de duas estacas fincadas no campo distantes 30 a 40 centímetros uma da outra. Estas estacas eram ligadas por um fio de cera. Tal exercício desenvolvia nos militares chineses da época uma habilidade que requeria muita destreza e técnica.

Representação artística do Tsuh Kuh

Além da China, também no Japão antigo, foi criado um esporte muito parecido com o futebol atual: o Kemari. Praticado por integrantes da corte do imperador japonês, o jogo acontecia num campo de aproximadamente 200 metros quadrados. A bola era feita de fibras de bambu e entre as regras, o contato físico era proibido entre os 16 jogadores (8 para cada equipe). Historiadores do futebol encontraram relatos que confirmam o acontecimento de jogos entre equipes chinesas e japonesas na antiguidade.

Mais tarde, por volta do século I a.C., os gregos criaram um jogo que se chamava Episkiros. Neste jogo, soldados gregos dividiam-se em duas equipes de nove jogadores cada e jogavam num terreno de formato retangular. Na cidade grega de Esparta, os jogadores, também militares, usavam uma bola feita de bexiga de boi cheia de areia ou terra. O campo onde se realizavam as partidas, em Esparta, eram bem grandes, pois as equipes eram formadas por quinze jogadores.

Quando os romanos dominaram a Grécia, entraram em contato com a cultura grega e acabaram assimilando o Episkiros, porém o jogo tomou uma conotação muito mais violenta. A versão romana se chamava Harpastum ou Soule. Era um jogo praticado com legionários romanos em treinamento militar, que se dividiam em duas equipes: atacantes e defensores. Era permitido usar socos, pontapés, rasteiras e outros golpes violentos. Há relatos que mostram a morte de alguns jogadores durante a partida. Cada equipe era formada por 27 jogadores, onde grupos tinham funções diferentes no time: corredores, dianteiros, sacadores e guarda-redes.

Harpastum ou Soule romano

Depois, na Itália Medieval, apareceu um jogo denominado Gioco del Calcio. Era praticado em praças e os 27 jogadores de cada equipe deveriam levar a bola até os dois postes que ficavam nos dois cantos extremos da praça. A violência era muito comum, pois os participantes levavam para campo seus problemas causados, principalmente por questões sociais típicas da época medieval. 

O barulho, a desorganização e a violência eram tão grandes que o rei Eduardo II teve que decretar uma lei proibindo a prática do jogo, condenando à prisão os praticantes. Porém, o jogo não terminou, pois integrantes da nobreza criaram um nova versão dele com regras que não permitiam a violência. Nesta nova versão, cerca de doze juízes deveriam fazer cumprir as regras do jogo. 

É também o precursor do Calcio Fiorentino ou Calcio Storico. Disputado até hoje todos os anos, na cidade de Florença na Itália, sempre no dia de San Giovanni (São João, em 24 de Junho).

Calcio Fiorentino ou Calcio Storico

Disputado ainda na sua forma primitiva, mantém-se desde do início na época renascentista (fim do século XIV ao início do século XVII), até hoje jogado de forma em que muito se assemelha ao rugby.

Pesquisadores concluíram que o Gioco de Calcio saiu da Itália e chegou à Inglaterra por volta do século XVII. Na Inglaterra, o jogo ganhou regras diferentes e foi organizado e sistematizado. O campo deveria medir 120 por 180 metros e nas duas pontas seriam instalados dois arcos retangulares chamados de gol. A bola era de couro e enchida com ar. 

Com regras claras e objetivas, o futebol começou a ser praticado por estudantes e filhos da nobreza inglesa. Aos poucos foi se popularizando. No ano de 1848, numa conferência em Cambridge, estabeleceu-se um único código de regras para o futebol. No ano de 1871 foi criada a figura do goal keeper (goleiro) que seria o único que poderia colocar as mãos na bola e deveria ficar próximo ao gol para evitar a entrada da bola. Em 1875, foi estabelecida a regra do tempo de 90 minutos e em 1891 foi estabelecido o pênalti, para punir a falta dentro da área. Somente em 1907 foi estabelecida a regra do impedimento.

Sheffield Football Club, fundado em 24/10/1857 por Nathaniel Creswick e William Prest, primeiro clube para a prática do futebol criado antes mesmo da definição das regras.
 
O profissionalismo no futebol foi iniciado somente em 1885 e no ano seguinte seria criada, na Inglaterra, a International Board, entidade cujo objetivo principal era estabelecer e mudar as regras do futebol quando necessário. No ano de 1897, uma equipe de futebol inglesa chamada Corinthians fez uma excursão fora da Europa, contribuindo para difundir o futebol em diversas partes do mundo. Em 1888, foi fundada a Football League com o objetivo de organizar torneios e campeonatos internacionais.

No ano de 1904, foi criada a FIFA (
Fédération Internationale de Football Association) que organiza até hoje o futebol em todo mundo.

Nascido no bairro paulistano do Brás, Charles Miller viajou para Inglaterra aos nove anos de idade para estudar. Lá tomou contato com o futebol e, ao retornar ao Brasil em 1894, trouxe na bagagem a primeira bola de futebol e um conjunto de regras.


Charles Miller


Considera-se Charles Miller o precursor do futebol no Brasil. O primeiro jogo de futebol no Brasil foi realizado em 15 de abril de 1895 entre funcionários de empresas inglesas que atuavam em São Paulo. Os funcionários também eram de origem inglesa. Este jogo foi entre Funcionários da Companhia de Gás e Companhia Ferroviária São Paulo Railway.

O primeiro time a se formar no Brasil foi o São Paulo Athletic Club (SPAC), fundado em 13 de maio de 1888 (no dia da abolição da escravatura no Brasil...).

Primeiro escudo do São Paulo Athletic Club
No Rio de Janeiro, os primeiros passos para adoção do novo esporte eram dados e surge um gigante que transforma em realidade os sonhos de um menino que fora estudar na Suíça...

domingo, 19 de julho de 2015

Origens - 3.4 - Club de Regatas Vasco da Gama: "No futebol és um traço de união Brasil - Portugal!"

O sucesso no remo inspirou o clube a se aventurar em outros desportos. Surgia um novo esporte nos primeiros anos do século XX, importado da Inglaterra por rapazes de famílias abastadas da sociedade carioca. O football aos poucos foi despertando o interesse do povo carioca e a sua prática, muito mais barata e de fácil assimilação, foi cada vez mais se popularizando.

Em 1913, com a intenção de inaugurar o seu novo campo localizado na Rua General Severiano, o Botafogo Football Club traz de Portugal um selecionado formado por jogadores do Clube Internacional, do Sporting Clube de Lisboa e Sport Clube Império, todos com sede na capital portuguesa. No amistoso, os visitantes venceram por 1 a 0.


Selecionado de Lisboa em 1913
 
A vitória e a presença do selecionado de Lisboa, motivou a colônia portuguesa a fundar três clubes de futebol: o Centro Esportivo Português, o Luso Futebol Clube e o Luzitânia Sporting Club.Todos tiveram vida curta, mas o último - Luzitânia, acabou fundindo-se ao Vasco, trazendo no processo os sócios e todo o material para a prática do futebol (uniformes, chuteiras, bolas, etc.).

As conversas entre os dois clubes se desenrolaram em novembro de 1915, mas o desfecho foi rápido: a fusão foi concretizada em 26/11/1915. Havia posicionamentos contrários em ambos os clubes.

No Vasco, os sócios mais ligados ao remo, já temendo a grande popularização do novo esporte, tentaram resistir, mas foram vencidos pela maioria entusiasmada com o futebol. No Luzitânia também houve resistência à fusão com um clube de remo, mas um detalhe acabou por vencer a resistência de seus sócios. Naquele tempo, o regulamento da Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA) exigia a presença de pelo menos um jogador brasileiro no plantel de seus filiados e o estatuto do Luzitânia não permitia a associação de não portugueses, enquanto que no Vasco, como diz em seu estatuto, havia a "união sob o mesmo pavilhão de irmãos de diferentes raças".

Efetivada a fusão e a criação do departamento de futebol no Vasco da Gama, logo após a posse de uma nova diretoria eleita para o ano de 1916, o clube requereu sua filiação à LMSA o que foi aprovado em fevereiro do mesmo ano. Assim o Vasco iniciaria a sua caminhada no futebol na terceira divisão do campeonato carioca de 1916.

Apesar de o uniforme do Vasco utilizado desde 1899 nas regatas já ser tradicional conhecido até hoje - camisas negras com a diagonal em branco, para o futebol foi decidida a adoção de um uniforme semelhante ao utilizado pelo Luzitânia, que era inspirado no selecionado de Lisboa: camisa negra com punhos e golas brancas. A diferença seria a colocação da Cruz de Malta no lado esquerdo do peito em substituição à Esfera Armilar portuguesa.

Primeiro uniforme da equipe de futebol do Vasco


Esse uniforme consagrou e deu a marca pela qual ficaram conhecidos os primeiros esquadrões vascaínos no futebol: os Camisas Negras! Esse foi o uniforme do futebol vascaíno até os anos 40.

A estreia nos campos de futebol foi um desastre: uma derrota acachapante por 10 a 1 para o Paladino Futebol Clube!! O primeiro gol vascaíno da história foi marcado por Adão Antônio Brandão (quando o placar já apontava uma goleada de 8 a 0...), um ex-futebolista português que passou a jogar pelo Vasco vindo do Luzitâna e que havia se mudado para o Brasil para trabalhar na fábrica de calçados de seu avô materno, por ordens de seus pais, que não se conformavam com sua falta de gosto pelos estudos. Nos tempos do amadorismo, Adão marcou seu nome na história do Vasco da Gama como um atleta polivalente e sendo considerado por muitos o maior atleta de todos os tempos do clube cruzmaltino. Ele teve destaque tanto no futebol como no atletismo, remo, natação, polo aquático, tênis de mesa e tiro.

Adão Antônio Brandão


Apesar da derrota dura da estreia, o Vasco não esmoreceu e a primeira vitória aconteceu no mesmo campeonato, em 29/10/1916, quando venceu o River, no campo do São Cristóvão, por 2 a 1, com gols de Cãndido Almeida e Alberto Costa. A vitória conseguida diante de uma equipe que foi a campo com apenas nove jogadores, não evitou a última colocação no campeonato da terceira divisão daquele ano. Ficou claro para o clube que para vencer tanto quanto vencia no remo, era necessário mais que entusiasmo, mais que a base formada por jogadores portugueses oriunda do Luzitânia.

Foto mais antiga de um time de futebol do Vasco, datada de 1915

Apesar de basicamente ser um clube de colônia, o Vasco seguiu a tradição e o gosto do português pela mistura. Enxergou em qualquer bom jogador que disputava peladas pelos subúrbios do rio ou que jogava em clubes pequenos da periferia, longe dos sócios mais ricos que disputavam o football dos grandes clubes da época, uma oportunidade de melhorar o nível de seu time de futebol.

Mesmo tendo se classificado na última posição do campeonato da terceira divisão em 1916, no ano seguinte o Vasco estreou na segunda divisão do campeonato carioca. Devido à extinção da LMSA e a criação da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) em 1917, e ao sucesso do campeonato carioca de 1916 que causou um grande procura por filiação na nova liga. Para evitar o inchaço de participantes, todos os clubes da terceira divisão de 1916 foram automaticamente promovidos à segunda divisão em 1917, enquanto que os novos filiados entrariam na terceira divisão.

Na segunda divisão em 1917, com um time muito mudado e já adotando a filosofia democrática que o diferenciaria de todos, a equipe melhorou e os resultados positivos apareceram. Terminou o campeonato em quarto lugar e ainda com dois triunfos, no turno e no returno, contra o seu algoz da estreia: o Paladino. Nos três anos seguintes, cada vez mais reforçado pelos jogadores selecionados nos clubes de menor expressão das ligas suburbanas, o Vasco foi se afirmando para o sucesso que viria a seguir.

1920 se transformou num ano especial para o Vasco por ser o ano de sua primeira conquista no futebol. Numa época em que substituições de jogadores durante os jogos não eram permitidas, os reservas dos times disputavam campeonatos paralelos, chamados campeonatos de segundos quadros. Em 1920, Vasco e Helênico terminaram os turnos empatados e uma partida extra decisiva foi disputada já em 1921 com vitória vascaína por 4 a 2.

Em 1921 há uma nova modificação na estrutura das divisões de futebol na LMDT. A primeira divisão foi dividida em duas séries: A e B. A série A com os sete primeiros colocados da primeira divisão de 1920, e a série B com os três últimos colocados da primeira divisão do ano anterior mais os quatro primeiros colocados da segundona de 1921. O Vasco havia se classificado no fim do campeonato de 1921 em quarto lugar e assim ascendeu a série B da primeira divisão do campeonato carioca de 1921.



Na sua estreia na primeira divisão do campeonato carioca uma vitória por 2 a 0 sobre o Palmeiras A. C., em jogo disputado no campo da Rua General Severiano e no fim sua melhor colocação em torneios de futebol até então: um terceiro lugar!

Em 1922 finalmente o Vasco chegou ao seu primeiro título com o seu team principal. Para isso contratou o técnico uruguaio Ramón Platero que já havia sido campeão carioca pelo Fluminense em 1919 e pelo Flamengo em 1921. Os métodos do novo treinador vascaíno foram revolucionários para uma época em que preparo físico e concentração eram coisas desconhecidas no futebol carioca. Platero fazia os jogadores do Vasco dormirem no clube e os acordava antes do sol nascer para extenuantes treinos físicos. O time ganhou fôlego como nenhum outro e foi o diferencial da meteórica ascensão vascaína.

Ramón Platero
 
O título em 1922 deu direito ao Vasco de disputar com o São Cristóvão, último colocado da série A da primeira divisão do campeonato carioca em 1922, uma partida para se definir quem iria disputar a série A em 1923. A partida terminou empatada em zero a zero e como o regulamento não previa uma forma de desempate, a liga optou aumentar o número de participante da série A de sete para oito clubes, e assim, além de manter o São Cristóvão, garantiu a participação do Vasco na principal divisão do futebol carioca em 1923.

1923 talvez tenha sido o ano mais importante da história do Club de Regatas Vasco da Gama. Neste ano, o Vasco celebrava 25 anos de sua fundação, mas quem mais comemorou foi o futebol e a sociedade carioca. O Vasco se sagrou campeão na sua estreia na série principal da primeira divisão do futebol carioca!

Vasco da Gama campeão carioca de 1923 - em pé: Nicolino, Mingote, Nélson, Leitão Artur e Bolão; sentados: Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito



Pouco notado no início do campeonato, afinal o que poderia fazer mais um clube oriundo da periferia carioca, cheio de jogadores mestiços e pobres como muitos outros que já vinham disputando o campeonato? Mas o Vasco, a partir da revolução dos métodos de treinamento de Platero, foi um a um vencendo a todos e terminou o primeiro turno invicto e com a façanha de ter vencido todos os grandes da época: 3 a 1 no Botafogo, 3 a 1 no Flamengo, 1 a 0 no America e 1 a 0 no Fluminense.

Uma verdadeira revolução se operava no futebol carioca. As tradicionais arquibancadas desses clubes, antes restritas a elite, eram cada vez mais invadidas pela massa que queria ver o Camisas Negras em ação. O futebol se popularizou de vez! Os brancos mais abastados dos clubes de elite tiveram a surpresa de serem vencidos por uma equipe formada por negros e mestiços, por suburbanos. O incômodo gerado foi tão grande que todas as torcidas dos grandes se uniram em um jogo para derrotar o Vasco. No segundo turno, contra o Flamengo o Vasco conheceu sua única derrota por 3 a 2 (alguns mais antigos ainda alegam que o gol de empate fora marcado e mal anulado pelo então árbitro Carlito Rocha que anos depois se tornaria presidente do Botafogo).

Mas a derrota de nada serviu aos grandes. O Vasco da Gama ali fincava o pé no futebol carioca e mostrava ao mundo que o futebol podia sim ser praticado por todos, que qualquer um que se propusesse a se dedicar ao futebol podia também vencer. Um GIGANTE nasceu com o título carioca de 1923.

O futebol do Rio de Janeiro nunca mais seria o mesmo.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Origens - 3.3 - Club de Regatas Vasco da Gama: "No remo és imortal!"

Fundado o clube, era necessário se instalar. Um local de águas tranquilas e de grande ocupação da parte mais abastada da colônia portuguesa no Rio de Janeiro foi escolhido para construção da primeira sede do Vasco: a Ilha das Moças.

A Ilha das Moças hoje não existe mais. Foi aterrada durante as obras de ampliação do Porto do Rio de Janeiro. Ela se localizava onde hoje fica o quarteirão entre a esquina das ruas Cidade de Lima e Cordeiro da Graça, e parte da rua Equador no sentido da Av. Professor Pereira Reis, no bairro do Santo Cristo.

Mapa com antiga localização da Ilha das Moças

Mas enquanto a sede definitiva estava em construção, o clube se instalou de maneira provisória em um sobrado alugado na Rua da Saúde, nº 127. Foi nesse local que o Vasco recebeu em 10/09/1898, visitas cordiais de delegações de outros clubes de remo da cidade, entre eles o Botafogo e o Flamengo.

A sede ficou pronta no fim de 1898 e o Vasco lá se instalou em janeiro de 1899. Porém, logo percebeu-se que o local não era adequado para as instalações do clube. Além de ficar longe de onde a maioria dos sócios moravam, quando chovia, o local ficava muito enlameado o que dificultava a circulação dos vascaínos. A insatisfação foi geral e mudar acabou se tornando imperativo para o jovem clube.

Nas discussões sobre a escolha de um novo local para onde o clube deveria migrar, o clube se dividiu e por pouco não acabou... Um grupo de sócios liderados pelo presidente Francisco Couto queria que o destino fosse o bairro de Botafogo, enquanto que um outro grupo, liderado pelo sócio fundador e grande remador da época José Lopes de Freitas, preferiam o Boqueirão do Passeio, no Centro, alegando que Botafogo ficava muito longe de onde a maioria dos associados moravam e trabalhavam.

As propostas foram colocadas em votação e a tese defendida por José Lopes venceu. Surpreendido pela derrota, Francisco Couto renuncia à presidência, assim como toda a sua diretoria. Logo depois fundam, na enseada de Botafogo o Club de Regatas Guanabara para onde migrou uma boa parte dos sócios vascaínos.

Ainda em 1899, o Vasco alugou um galpão vizinho ao local onde ficava outro galpão (do Club de Regatas Boqueirão do Passeio), na Travessa do Maia, nº 15, no Centro do Rio de Janeiro, para onde se mudou definitivamente em julho de 1899, e onde ficou instalado até 1905.


Curioso observar que em menos de um ano, o clube teve três sedes. E essa seria uma tônica nos anos iniciais do Vasco da Gama. O clube sofreu com seguidas desapropriações e mudanças forçadas impostas pela prefeitura da cidade devido às mudanças de urbanização que a orla carioca no Centro sofreu nos primeiros anos do século XX.

Com dois meses de existência, O Vasco já contava com um quadro social composto por 250 associados. Número suficiente para solicitar sua filiação à União de Regatas Fluminense, o que foi feito através do ofício encaminhado a esta entidade em 07/11/1898.

Para participar das primeiras regatas, o Vasco adquiriu três barcos: Zoca, uma canoa de quatro remos; Vaidosa, uma baleeira de quatro remos; e Volúvel, outra baleeira, mas de seis remos, todas construídas de madeira de cedro.

Primeiros barcos do Vasco - de trás para frente: Zoca, Vaidosa e Volúvel.

Filiação regularizada, o clube disputa sua primeira competição em 13/11/1898, quando competiu em dois páreos com as baleeiras Vaidosa e Volúvel e não ganhou nenhum. Mas a primeira e histórica vitória não tardaria para acontecer. Na segunda regata do campeonato de 1899, realizada no dia quatro de junho, o Vasco venceu o primeiro páreo com a baleeira Volúvel. Sua guarnição formada pelos remadores Adriano Vieira (timoneiro), José Lopes de Freitas, Joaquim de Oliveira Campos, José Cunha, Antônio Frazão Salgueiro, J. P. Breda de Melo, e Carlos José Baptista Rodrigues entrou para a história como os primeiro vencedores do clube.

Em 1900, o Vasco seguiria vencendo páreos, mas o título teimava em não vir. Para piorar, ainda se recuperando da quase extinção ocorrida em 1899, em 1901 nova cisão quase termina com suas atividades novamente.

Remadores vascaínos em 1901


Uma discussão acerca de propostas da estrutura hierárquica do clube dividiu o clube. Depois de muita confusão, com assembleias anuladas e recursos na Justiça, a proposta foi rejeitada e o grupo perdedor abandona o clube para se filiar ao Club Internacional de Regatas - um rival do remo na época.

E o inferno astral do Vasco não acabaria aí... Apesar da boa notícia do retorno do primeiro presidente Francisco Couto ao quadro de associados e de sua eleição novamente para presidente do clube no final de 1901, o mesmo vem a falecer em março de 1902. Em maio do mesmo ano, nova tragédia: numa viagem a Icaraí em Niterói, a baleeira Vascaína vira e o mar agitado "engole" 4 de seus 13 tripulantes, entre eles, um dos fundadores do clube, Luiz Jacinto Ferreira de Carvalho.

Jornal do Brasil de 1902 retratando a tragédia
 
O clube demorou a se recuperar e, apesar de vencer alguns páreos entre 1902 e 1904, somente em 1905 finalmente venceria um campeonato de remo. Naquela época, o campeonato carioca era decidido apenas em uma única prova chamada "Campeonato de Remo do Rio de Janeiro".

Na primeira regata disputada em junho, cinco primeiros lugares. Na seguinte, ocorrida em 24/09/1905, o Vasco disputando pela primeira vez o páreo que valia o campeonato (num prenúncio do que repetiria alguns anos depois em outro esporte...), com a yole Procellaria, conquistou o primeiro título de sua história. Ainda venceu mais quatro páreos nessa memorável regata.


No ano seguinte, em 1906, o Vasco competindo com a mesma embarcação, repete o feito e conquista o bicampeonato no remo - algo nunca conquistado por clube algum até então.

A saída de alguns remadores bicampeões impede o tricampeonato vascaíno em 1907, mas se encontra nesse ano a gênese da rivalidade dos clubes de maiores torcidas do Rio de Janeiro. Na última regata do ano, o Vasco vence cinco provas e uma delas, uma prova de honra dedicada ao Clube de Regatas do Flamengo!

Vale dizer que, apesar de fundado três anos antes e contar com os recursos das famílias mais abastadas moradoras da zona sul da cidade, o Flamengo só conseguiu se tornar campeão no remo 21 anos depois de sua fundação, onze anos depois da primeira conquista vascaína e quando o Vasco já contava com 5 títulos cariocas.

No triênio 1912-13-14, o Vasco mais uma vez se destaca e conquista pela primeira vez na história das regatas cariocas um tricampeonato. Por conta do feito, leva para si de forma definitiva o troféu En Avanti, assinado pelo Mestre francês Antoine Bofill.

Troféu En Avanti


Assombrados pelo estrondoso sucesso do Vasco da Gama e conformados com a impossibilidade de derrotar seus remadores, os demais clubes, com apoio da federação de remo, apelam para a única forma de vencer os cruzmaltinos: estabelecem a chamada lei Hors Concours, que significava excluir da prova máxima qualquer remador que tenha dois ou mais títulos de campeão. Obviamente o clube mais atingido com o novo regulamento foi o Vasco da Gama que se viu impedido de escalar os seus melhores atletas. Por conta desta manobra, em 1915 o Guanabara venceu o campeonato utilizando emprestada uma embarcação vascaína chamada Pereira Passos, e em 1916 finalmente o Flamengo conseguiria o seu primeiro título.

Apenas 20 anos depois de sua fundação, o Vasco da Gama se tornara um gigante do remo carioca. Detentor do maior número de títulos, com 5 êxitos contra 4 do Gragoatá e do Santa Luzia. Flamengo neste período conquistou apenas 2 títulos e o Botafogo apenas 1.

Mas no início da segunda década do século XX, um novo esporte começava a se popularizar, e a comunidade portuguesa não poderia ficar de fora da novidade...

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Origens - 3.2 - Club de Regatas Vasco da Gama: dos imigrantes portugueses à fundação do clube.

A imigração portuguesa para o Brasil, iniciada desde quando aportou na Bahia em 1500 o navegador Pedro Álvares Cabral, é em termos quantitativos a segunda maior verificada em nosso país, superada apenas pela imigração dos negros escravizados que vieram da África.

Ocorrida durante mais de três séculos e mantida mesmo após a independência do Brasil, a imigração portuguesas deixou profundas heranças para nossa cultura e para a formação do povo brasileiro: hoje em dia, a maioria dos brasileiros possui alguma ancestralidade portuguesa.

A origem socioeconômica do português imigrante é muito diversificada: de uma próspera elite nos primeiros séculos de colonização, passou-se a um fluxo crescente de imigrantes pobres a partir da segunda metade do século XIX.

Neste período, o aumento demográfico expressivo ocorrido em Portugal, a crescente mecanização das atividades agrícolas, produzindo um excedente de trabalhadores rurais e o empobrecimento de pequenos proprietários, causaram uma explosão no fluxo imigratório luso para o Brasil. Ainda persistia em regiões mais interioranas de Portugal o mito da fortuna fácil no Brasil.

Imigrantes portugueses à espera do navio para o Brasil
 
Esses pequenos proprietários rurais pobres, rudes, originários do norte de Portugal, da região do Minho, contribuíram para a formação da imagem negativa e preconceituosa do imigrante português, estigmatizando-os como pessoas pouco qualificadas intelectualmente, gerando um anedotário pouco condizente com a rica herança cultural que nos deixou o povo português. Esse anedotário pode ser entendido como o lado mais popular do debate entre políticos e intelectuais do país que se preocupavam, sobretudo, em definir e afirmar a identidade nacional. Nesse contexto, as anedotas expressavam a rejeição do povo brasileiro ao seu passado colonial.

Sobre esse típico imigrante português, escreveu Raimundo da Cunha Mattos, em 1820: 

"O português pobre, ao desembarcar nos portos brasileiros, veste polaina de saragoça (...) e calção, colete de baetão encarnado com seus corações e meia (...) geralmente desembarca dos navios um pau às costas, duas réstias de cebolas, e outras tantas de alho... e... uma trouxinha de pano de linho debaixo do braço. Eram minhotos que, para sobreviver, dormiam na rua e procuravam ajuda de instituições de caridade."

Uma lei brasileira de 1850 -  a Lei de Terras, que estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra, extinguindo a anterior baseada na simples posse desde os tempos coloniais, acabou por empurrar o fluxo imigratório português para as cidades e não para o campo. Mesmo os imigrantes que vinham com o intuito de se tornarem agricultores, logo após o desembarque, desistiam e procuravam se instalar nas vilas e centros urbanos do Brasil. O Rio de Janeiro por ser a capital do Império oferecia mais oportunidades e por isso acabou se tornando o destino preferido, nesta época, dos imigrantes portugueses.

De capital do Império, após a proclamação da República em 1889, o Rio de Janeiro passou à capital da República. O remo era o esporte que mais atraia a juventude carioca no final do século XIX. Os clubes para a pratica dessa atividade desportiva, também chamado de rowing na época, eram fundados por homens de uma sociedade que se transformava, mais arejada, de um Rio de Janeiro que já prenunciava a modernidade física que estava por vir. A cidade que sempre favoreceu a prática de esportes estava começando a descobrir isso e uma baia de Guanabara limpa e aprazível era um convite a colocar as baleeiras no mar.

Cariocas reunidos na orla de Botafogo para assistir a uma regata

Diversos clubes náuticos surgiram nesta época reunindo jovens da alta classe média e da aristocracia carioca residentes na zona sul. Para os moradores da zona portuária e do Centro do Rio, onde se concentrava a colônia portuguesa da baixa classe média, frequentar tais clubes da zona sul significava um longo e dispendioso deslocamento
Foi quando quatro jovens cariocas, todos descendentes de portugueses, residentes nesta mesma região portuária e central do Rio de Janeiro, chamados Henrique Ferreira Monteiro, Luís Antônio Rodrigues, José Alexandre D'Avelar Rodrigues e Manuel Teixeira de Sousa Júnior, se reuniram no número 90 da rua Teófilo Otoni, no Centro, onde se localizava um sobrado que servia de moradia para Henrique Ferreira Monteiro, para discutir a ideia da fundação de um clube de regatas.

José Alexandre D'Avelar nos anos 40


Cansados de terem que viajar todo o fim de semana para Niterói para praticarem seu esporte preferido no Clube de Regatas Gragoatá, a ideia de fundar um clube com sede no Rio de Janeiro, próximo ao local onde moravam e trabalhavam soara tentadora e outras reuniões foram realizadas e cada vez mais adeptos à ideia se juntavam ao grupo.

Discutiam entre outras coisas, o nome do futuro clube. Ideias como Álvares Cabral e Santa Cruz não vingaram, e a escolha recaiu para o nome do grande almirante luso VASCO DA GAMA porque naquele ano de 1898 era comemorado o aniversário de 400 anos do seu maior feito: a descoberta do caminho das Índias.

Notícias sobre tais reuniões se espalharam entre a comunidade portuguesa e chegaram aos ouvidos de Francisco Gonçalvez do Couto Júnior, pertencente a uma família dona de lojas e armazéns comerciais. Ele e seus quatro irmãos se empolgaram com a ideia e o futuro clube ganhou força: Francisco era proprietário de barcos de remo além de ter certo prestígio na sociedade carioca da época.

Francisco Gonçalvez do Couto Júnior
Então, em um domingo - dia típico para realização de regatas, no dia 21 de agosto de 1898, 62 adeptos da ideia original daqueles quatro jovens, quase todos portugueses ou brasileiros descendentes de portugueses, mas todos praticantes do remo, se reuniram em assembleia, numa sala da Sociedade Dramática Filhos de Talma, no número 293 da Rua da Saúde, sob a presidência de Gaspar de Castro, registraram na ata de fundação:

"Aos 21 dias do mês de Agosto de 1898, as 2:30 horas da tarde, reunidos na sala do prédio da Rua da Saúde numero 293 os senhores constantes do livro de presenças, assumiu a presidência o Sr. Gaspar de Castro e depois de convidar para ocuparem as cadeiras de secretários os senhores Virgílio Carvalho do Amaral como 1o. e Henrique Ferreira como 2o., declarou que a presente reunião tinha o fito de fundar-se nesta Capital da Republica dos Estados Unidos do Brasil, uma associação com o titulo de Club de Regatas Vasco da Gama…"

Nesta mesma reunião de fundação, foi eleita a diretoria e o presidente: Francisco Gonçalvez do Couto Júnior que recebeu 52 votos pela sua eleição. A primeira diretoria não foi empossada no mesmo dia porque alguns dos eleitos não estavam presentes naquele momento, o que só foi ocorrer uma semana depois, no dia 28/08/1898, numa cerimônia realizada no Clube Dançante Recreativo Arcas Comercial.

Também nesta assembleia, por sugestão do fundador José de Freitas (o mesmo que depois desenvolveria o escudo, a bandeira e a flâmula do novo clube), foi decidido que sob nenhum motivo o clube mudaria de nome ou de cores. Para o seu pavilhão e uniforme foi escolhido ao fundo a cor negra representando os mares obscuros navegados pelas caravelas portuguesas nos séculos XV e XVI, sobre a qual corria uma faixa diagonal em branco, representando o caminho marítimo das Índias descoberto pelo Almirante Vasco da Gama e a mesma faixa diagonal que simboliza o estandarte que Vasco da Gama recebeu do rei D. Manuel I por sua realização, com a Cruz de Cristo ao centro, que protegeu e guiou os navegadores portugueses por mares nunca antes navegados.

Estando o clube fundado, os próximos passos seriam a instalação da sede do clube e a filiação à União de Regatas (espécie de liga do remo da época) para disputa dos campeonatos de remo...