terça-feira, 28 de abril de 2015

Cisões do futebol carioca - parte 4.2 - A paz...

Chegamos a 1937 e o futebol brasileiro vivia uma crise sem precedentes. A divisão iniciada nos começo dos anos 30 se aprofundara por todas entidades ligadas ao futebol no Brasil. Uma verdadeira guerra política era travada entre a CBD e a FBF (Federação Brasileira de futebol). Muito mais que uma briga entre amadores da CBD e os profissionais da FBF, a disputa girava em torno do controle do futebol brasileiro.
Aos poucos a batalha nacional travada entre a CBD e a FBF vai sendo vencida pela segunda. Muitos clubes vão paulatinamente migrando das ligas ditas amadoras para as ligas profissionais ligadas à FBF.

No Rio e Janeiro, em julho de 1937, o Bangu mostra descontentamento com a FMD e migra de volta para a LCF. As transferências do zagueiro Natal e do goleiro Talladas respectivamente do Internacional do Rio Grande do Sul e do Galícia da Bahia, para o Flamengo, time carioca filiado à LCF e portanto à FBF, foi dificultada ao máximo, atrasando a estreia dos dois jogadores, pelo órgão governamental que fiscalizava tais operações (Censura Theatral) por conta da forte influência da CBD.

Em meio a toda essa crise e disputa política, os presidentes do Vasco da Gama (Pedro Pereira Novaes) e do América (Pedro Magalhães Corrêa), anunciam uma união entre os dois clubes com a finalidade de dar fim à cisão do futebol carioca. De início, a novidade foi vista com desconfiança, afinal não foram poucas as tentativas anteriores de pacificação que não deram certo. Mas aos poucos o projeto foi tomando ares diferentes de seus antecessores e tornou-se real com a assinatura do pacto entre os dois clubes e o apoio dos demais grandes clubes da LCF (Flamengo e Fluminense). O Botafogo, afiliado da FMD e alinhado com a CBD, de início não se mostrou muito favorável, mas teve que se conformar juntamente com a CBD frente ao grande apoio popular e da mídia, ávidos por voltar a ver os clássicos cariocas.

O pacto entre rubros e cruzmaltinos previa a criação de uma nova entidade no futebol carioca, à qual todos os grandes clubes da cidade estavam convidados a entrar como membros fundadores. Com a criação dessa nova entidade, tanto a LCF como a FMD seriam extintas. A nova agremiação se filiaria à FBF, que por sua vez, requereria sua filiação à CBD. Assim, nesse novo arranjo, a FBF cuidaria do futebol brasileiro e a CBD ficaria responsável pela representatividade do futebol do Brasil no exterior. Desse modo todos os clubes brasileiros passariam a ter que se filiar à FBF, ou não poderiam enfrentar os outros clubes filiados à mesma.

No dia 29 de julho de 1937, é então celebrada a criação da Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ), que teve como primeiro presidente Antonio Avellar, dirigente ligado ao América. A nova entidade - logo apelidada de "Liga da Paz", foi criada com os seguintes clubes fundadores: Vasco, América, Fluminense, Flamengo, Botafogo, Bangu, Bonsucesso, Madureira e São Cristóvão. Depois entraram como agregados para o campeonato Olaria, Portuguesa e o Andaraí.

A fundação da nova entidade foi cercada de pompa, e a caneta de ouro utilizada para a assinatura de sua ata de fundação ficou depois exposta em uma joalheria no centro da cidade por algumas semanas.

América e Vasco receberiam os louros pelo êxito na pacificação do futebol carioca e selariam o desfecho positivo da empreitada com um jogo amistoso que ficou conhecido na época e até hoje dá nome ao confronto entre americanos e vascaínos: o "Clássico da Paz". Na noite de 31 de julho de 1937, depois de longos três anos, finalmente os tradicionais rivais voltavam a se enfrentar em São Januário numa partida cercada de festa e comemorações.

As duas equipes entraram unidas no gramado, cercados por mulheres que carregavam as bandeiras do Brasil, da FBF, da CBD, e de todos os clubes da LFRJ e dos grandes clubes paulistas. No campo deu Vasco: 3 x 2, que levou para a sua sala de troféus a Taça Pinto Bastos e Bronze da Vitória "O Cruzeiro".

Mas havia também outra taça em disputa, cuja posse, curiosamente é motivo de discórdia exatamente os clubes que celebraram a paz no futebol carioca. Seria oferecido o Troféu da Paz pela empresa "O Camizeiro" (loja de roupas masculinas famosa na época). Esse troféu seria disputado em uma melhor de três partidas entre os patronos da pacificação. A primeira partida, conforme dito, fora vencida pelo Vasco.

No dia 5 de setembro de 1937, os clubes voltaram a se enfrentar e dessa vez deu América: 3 x 1. O problema foi a terceira partida...
Troféu da Paz "O Camizeiro"
No dia 25 de agosto de 1938, em uma partida amistosa realizada em São Januário, o América venceu por 2 x 0 e ficou de posse do cobiçado Troféu da Paz - conforme noticiado no jornal O Globo de 26/08/1938. Segundo a versão americana do imbróglio, dias depois, o Vasco solicitou emprestada a taça para ser exposta em São Januário e... nunca mais devolveu!

A versão vascaína diz que a partida disputada em 1938 não deveria ser considerada por não ter sido combinado antes que valeria como o terceiro jogo. Alegam ainda que várias partidas foram disputadas entre a segunda (disputada no dia 05/09/1937) e a alegada terceira partida. Ou seja, por que exatamente essa e não nenhuma das outras? Conforme noticiado no mesmo jornal O Globo na sua edição de 23 de março de 1942 e também no Jornal do Brasil de 24 de março de 1942, o terceiro jogo só foi realizado em 22 de março de 1942 quando o Vasco derrotou o América em General Severiano pelo placar de 2 x 1. Com a vitória o Vasco decidiu não devolver mais a taça que hoje se encontra na sala de troféus de São Januário.

Outro fato curioso que ocorreu durante toda essa celeuma diz respeito ao São Cristóvão e o campeonato carioca de 1937 pela FMD que chegou a ser iniciado, mas foi interrompido com a pacificação e a extinção da FMD. Neste campeonato, o São Cristóvão liderava a disputa e já não poderia ser mais alcançado pelos concorrentes. Ou seja, já era o virtual campeão carioca pela FMD em 1937, mas como o campeonato não chegou a ser completado, esse campeonato não é considerado nas estatísticas sobre o futebol carioca.

O primeiro campeonato disputado na Liga da Paz (LFRJ) foi vencido pelo Fluminense, conquistando o bicampeonato que se tornaria um tricampeonato no ano seguinte.
A LFRJ administrou o futebol fluminense até 1941 quando passou a se chamar Federação Metropolitana de Futebol (FMF). Essa durou até 1960 quando a capital do Brasil foi transferida para Brasília e então é criada a Federação Carioca de futebol (FCF). O campeonato continuou a ser disputado apenas por clubes da capital mais o Canto do Rio de Niterói.

A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro ocorrida em 1974, em termos futebolísticos foi concluída em 1979 com a criação da atual Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) e a inclusão de outros clubes do interior fluminense que inclusive já vinham disputando campeonatos (cujos vencedores também não são considerados nas estatísticas oficiais...).

sábado, 25 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 4.1 - Os grandes se dividem

Depois dos acontecimentos de 1933, o futebol do Rio seguiria dividido em 1934. Mais uma vez aconteceriam dois campeonatos: um disputado sob os auspícios da liga amadora (AMEA), e o outro disputado sob o patrocínio da liga profissional (LCF).
 
Na LCF foi disputado um campeonato com sete clubes: os mesmos seis do ano anterior (Fluminense, Vasco, Bangu, América, Flamengo e Bonsucesso), mais o São Cristóvão que venceu a "sub-liga" da LCF (uma espécie de segunda divisão) e por isso fora convidado a participar da primeira em 1934. Todos jogaram contra todos e no fim o Vasco conquistou o seu quarto título carioca com um time recheado de craques como Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Fausto (o "Maravilha Negra"), Itália e outros. Esse campeonato teve total sucesso. Muitos dos jogadores de times amadores migraram para clubes que já tinha adotado o profissionalismo, atraídos pelos ganhos melhores que tal regime podia lhes proporcionar. Além disso, por conter entre seus afiliados a maioria dos maiores clubes da cidade, houve um maior interesse do público em geral.
 

Vasco da Gama campeão de 1934 pela LCF
Em pé: Baianinho, Mola, Gradim, Carreiro, Russinho, Jucá, Gringo, Quarenta, Almir e Rei.
Agachados: Orlando, Tinoco, Fausto, Lino, Itália, Leônidas da Silva e Domingos da Guia
 
Na enfraquecida AMEA, foi disputado um campeonato marcado por desistências e fracasso de público. A disputa que se iniciou com 10 clubes, terminou com apenas cinco: Botafogo, Olaria, Andaraí, Portuguesa e Mavilis (desistiram da disputa: Cocotá, Confiança, Engenho de Dentro, Brasil e Ríver). O Botafogo se sagrou tricampeão.
 
 
Mas o fato mais importante de 1934 acabou não ocorrendo nos gramados e deu início a quarta (e até hoje, a última...) cisão no futebol carioca.
 
A CBD, que havia rejeitado a filiação das ligas profissionais, passava a constatar que o profissionalismo era uma evolução natural do futebol e que vencer a batalha pela manutenção do amadorismo era algo praticamente impossível. Teve essa percepção a partir dos problemas que enfrentou para formar um selecionado para disputa da Copa do Mundo de 1934 na Itália. As ligas profissionais não cederam os seus jogadores e mesmo aqueles que optavam por abandonar as ligas profissionais e servirem à seleção brasileira, já eram jogadores profissionais e não aceitavam a volta ao regime amador. Como resultado, a CBD mandou para Itália um time fraco que acabou sendo eliminado na primeira partida (Espanha 3 x 1 Brasil) e conseguindo um vergonhoso 14º lugar.
 
Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1934
 
No fim de 1934, por ocasião da disputa de uma regata, o Flamengo protestou contra a classificação de um páreo vencido pelo Vasco. Outros clubes, entre os quais o Fluminense que, apesar de não disputarem o remo, eram filiados à federação de remo por esta também administrar outros esportes aquáticos como a natação, o salto ornamental e o polo aquático, tomaram partido do Flamengo.
 
Os cartolas do Botafogo, praticamente os mesmos que controlavam a CBD, aproveitando-se desse impasse, sugeriram ao Vasco a formação de uma nova liga, onde seria estabelecido o chamado "regime livre", em que a adoção do amadorismo ou do profissionalismo, seria uma opção livre do clube. Tudo isso sob a promessa de reconhecimento da CBD, o que tornaria os certames da futura liga, campeonatos oficiais.
 
O Vasco aceitou a proposta e abandonou a LCF para juntamente com o Botafogo, fundar a Federação Metropolitana de Desportos (FMD), imediatamente reconhecida pela CBD, e que extinguiu a moribunda AMEA. Sob a influência do Vasco da Gama e interessados no novo regime livre e no reconhecimento da CBD, outros clubes seguiram o Vasco (Bangu, São Cristóvão, etc.).
 
Em 1935 e 1936 o futebol do Rio seguiu dividido em duas ligas: LCF e FMD.
 
Pela LCF em 1935, o América sagrou-se campeão carioca pela sexta vez na sua história; enquanto que pela FMD, o Botafogo conquistava o título pela quarta vez consecutiva, igualando o feito do Fluminense (1906-09), mas em ligas diferentes, se tornando tetracampeão carioca.
 
Em 1936, pela LCF finalmente o Fluminense voltou a comemorar um título estadual, dando fim a um jejum que já durava 12 anos! E pela FMD, o Vasco volta a ser campeão e interrompe a série de títulos do Botafogo.
 
A divisão só teria fim no ano seguinte, em 1937... (segue).

terça-feira, 21 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 3.2 - Amadorismo x Profissionalismo: uma nova era se inicia


A disputa política entre Arnaldo Guinle e Rivadavia Meyer dividiu os clubes cariocas. De um lado Fluminense, América, Vasco e Bangu alinhados ao profissionalismo e à Arnaldo Guinle. Simpático a este grupo também figurava o presidente da CBD na época: Renato Pacheco.
 
Alinhados ao amadorismo e à Rivadávia Meyer ficaram Botafogo, Flamengo, São Cristóvão e os demais clubes pequenos.


 
Em 1932, Oscar da Costa, que assumira a presidência do Fluminense em 1931, depois de convencido pelo seu antecessor (Arnaldo Guinle) para a causa do profissionalismo (desde que o futebol profissional não se misturasse às demais  atividades amadoras do clube), abre conversas com os presidentes do América (Antônio Gomes Avelar), do Bangu (José Alberto Guimarães) e do Vasco (Antônio de Almeida Pinho), para a criação de um grupo pró profissionalismo.
 
A posição de Vasco e Bangu pelo profissionalismo não surpreendia. Pioneiros entre os clubes mais importantes da cidade na utilização de jogadores mais modestos, ambos há muito tempo já praticavam um profissionalismo disfarçado. No Vasco, para que seu jogadores se dedicassem exclusivamente ao futebol, os mesmos eram empregados no comércio, que era dominado pela comunidade lusa da época. No Bangu, os jogadores eram empregados na fábrica de tecidos instalada no bairro de mesmo nome, e assim  também podiam se dedicar exclusivamente ao futebol.
 
O América aderiu à causa pelo profissionalismo almejando a remuneração que as rendas advindas do novo regime poderiam vir e assim tirá-lo de uma tremenda crise financeira por que passava na ocasião.
 
Em julho de 1932, realiza-se na sede do Fluminense uma reunião com objetivo de se debater o profissionalismo, contando com a presença de representantes de diversos clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, representante da APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), representante dos árbitros, da imprensa e até representantes da torcida foram convidados e compareceram, como Gomes da Cruz do Vasco. A reunião foi marcada por muitas discussões entre o grupos que defendiam o profissionalismo e grupo que defendia a manutenção do amadorismo.
 
Em seguida, numa entrevista, o presidente do Fluminense anuncia mais um passo rumo a profissionalização do futebol: a remuneração da arbitragem. Acreditava o presidente tricolor que tal medida teria efeito benéfico na qualidade da arbitragem no futebol.
 
Uma segunda reunião foi marcada novamente na sede do Fluminense, mas dessa vez, além dos anfitriões, compareceram apenas representantes do São Cristóvão, Bangu, Botafogo, Vasco, América, e Flamengo. O presidente da CBD (Ricardo Pacheco) também fora convidado, mas não compareceu.
 
Dessa reunião, apesar dos desentendimentos, uma comissão é composta para a elaboração de um projeto de estatuto de uma liga profissional de futebol no Rio de Janeiro.

Com a criação da comissão, o debate pega fogo. O presidente da AMEA, Rivadávia Meyer, critica abertamente a inciativa e até a imprensa da época fica dividida. O Jornal do Brasil e o Correio da Manhã se colocam contrários ao profissionalismo, enquanto que O Globo e Jornal dos Sports faziam campanha de apoio ao profissionalismo.
 
No dia 12 de janeiro de 1933, a proposta de estatuto da Liga Carioca de Futebol (LCF) é apresentada para ser validada ou não em assembleia.
 
Tudo caminhava para a aprovação e pelo estabelecimento do profissionalismo no futebol carioca, entretanto, toma posse no dia 15 de janeiro de 1933 uma nova diretoria no Vasco da Gama. Esta, ao contrário da anterior, era simpatizante ao amadorismo.
 
O futuro do futebol carioca foi então definido em uma reunião na sede do Vasco em 21 de janeiro de 1933. Pressionada pelo conselho deliberativo, toda a nova diretoria renuncia. O conselho então assume a administração do clube e mantém a posição favorável ao profissionalismo.
 
Uma possível mudança de posição do Vasco ameaçaria a vitória do profissionalismo, pois para a aprovação do novo estatuto, bastava uma vitória por maioria simples em uma votação. Em nova reunião realizada no dia 23 de janeiro de 1933, novamente na sede do Fluminense, os estatutos da LCF foram aprovados pelo placar de 4 x 3. Votaram a favor Fluminense, Vasco, América e Bangu; e contrários Botafogo, Flamengo e São Cristóvão. Os três clubes contrários se retiram da reunião afirmando que nada mais tinham a fazer na reunião.
 
A LCF seria composta incialmente por Bangu, Fluminense, Vasco, América e Bonsucesso. Permaneceram na AMEA: Botafogo, Flamengo, São Cristóvão, Carioca, Olaria, Andaraí, Cocotá, Confiança, Engenho de Dentro, River, Brasil, Mavilis e Portuguesa.
 
No Flamengo havia um clima político muito confuso. O presidente eleito - Paschoal Segreto Sobrinho, era partidário do profissionalismo, porém, a diretoria repudiou a proposta em uma reunião realizada no dia 19 de janeiro de 1933, o que levou à renúncia do presidente eleito. Foi substituído por José Bastos Padilha que, inicialmente, apoia a manutenção do amadorismo, levando o clube a votar de maneira alinhada ao Botafogo.
 
Essa posição não demorou muito. Convidado por Vasco e Fluminense, o Flamengo abandona o campeonato da AMEA - já havia disputado três partidas: empate em 2 x 2 com o Olaria, vitória de 3 x 2 contra o Carioca e a incrível goleada de 16 x 2 contra o River (a maior goelada da história do campeonato carioca), e se filia a LCF ainda a tempo de disputar o seu campeonato.
 
Também foram convidados para integrar a nova liga profissional o São Cristóvão e o Carioca. O São Cristóvão, que também já tinha disputado quatro jogos pelo campeonato da AMEA, aceita o convite mas prefere disputar a segunda divisão da LCF, mesmo tendo sido o quarto colocado no campeonato de 1932. Sua decisão foi baseada no fato de que na divisão inferior, haveria mais chance de se tornar campeão, o que de fato veio a acontecer. Por conta de seu êxito, foi convidado no ano seguinte a disputar a primeira divisão.
 
O Carioca Football Club, depois de disputar alguns jogos pelo campeonato da AMEA, também abandona o certame mas não aceita o convite da LCF. O clube passava por alterações administrativas, fundindo-se ao Gávea Esporte Club e mudando o seu nome para Carioca Esporte Clube. Só voltaria a disputar campeonatos de futebol em 1935 em uma outra liga que seria criada neste ano.
 
Com a implantação profissional, a AMEA desfiliou os clubes dissidentes que consideraram a decisão da AMEA como irrisória. A LCF pleiteia a filiação à CBD presidida por Renato Pacheco, alinhado politicamente a Arnaldo Guinle, mas graças a atuação de Luis Aranha, que fazia oposição ao presidente da CBD na ocasião, a situação ficou inicialmente indefinida em uma assembleia realizada em maio de 1933 na entidade. Em nova assembleia realizada em junho de 1933, a CBD ratifica a decisão da AMEA pela desfiliação dos clubes dissidentes e nega o reconhecimento à LCF. Esta então se junta à APEA de São Paulo e funda a Federação Brasileira de Futebol (FBF).
 
No final das contas, houve dois campeonatos cariocas hoje reconhecidos em 1933. Um disputado sob o patrocínio da LCF, chamado de profissional. E outro disputado sob o patrocínio da AMEA, dito amador porém considerado oficial por ser esta entidade reconhecida pela CBD.
 
Na LCF sagrou-se campeão o Bangu pela primeira vez na sua história ao derrotar o Fluminense por 4 x 0 em partida realizada nas Laranjeiras.
 
Na AMEA o Botafogo conquistou o bicampeonato com um time baseado no campeão do ano anterior, mas enfraquecido pela saída de alguns jogadores que resolveram se profissionalizar, já que os dirigentes do clube alvinegro liberaram aqueles que quisessem aderir ao novo regime.

Bangu - Campeão Carioca de 1933 pela LCF

Botafogo - Campeão Carioca de 1932 - time base para o bicampeonato em 1933 pela AMEA
 
 
Vale aqui o esclarecimento de um mito muita vezes levantado pelas torcidas rivais de que o Flamengo, último colocado do campeonato disputado pela LCF em 1933, deveria ter sido rebaixado e não foi. Apesar da colocação final do rubro-negro (o campeonato foi disputado com apenas seis clubes em turno e returno e o Flamengo ficou na última colocação), e de haver uma segunda divisão na LCF (vencida pelo São Cristóvão), não havia no regulamento a previsão de acesso ou de descenso. Os clubes tinham sido convidados a participar do campeonato e não faria muito sentido rebaixar um clube convidado que aderira a causa do profissionalismo trazendo mais força e representatividade. No anos seguinte, o São Cristóvão não ascendeu à primeira divisão por conta de alguma previsão de acesso no regulamento, mas sim por um simples reconhecimento dos dirigentes da LCF. Subiu à primeira divisão por um simples convite.
 
Ainda como registro histórico, em 1933, com a fundação da liga profissional (LCF), a antiga LMDT, desiste de rivalizar com mais uma liga e se torna uma sub-liga da própria LCF, ficando responsável pelos campeonatos amadores da mesma. Sobreviveu nessa condição por mais dois anos quando finalmente foi extinta. Durante este período, foram campeões pela LMDT em 1933 a Viação Excelsior e em 1934 o São José - ambos também ignorados pela atual FERJ na estatística dos campeões cariocas.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 3.1 - Amadorismo x Profissionalismo: o Flu muda de opinião


Em 1933 ocorreu não só a terceira cisão como o início do, talvez, período mais conturbado do futebol carioca, que perduraria até 1937, com pelo menos dois campeonatos sendo disputados paralelamente em cada ano.
Desde a década de 20 e cada vez mais forte no início dos anos 30, um falso amadorismo era praticado por todos os clubes cariocas. O profissionalismo, proibido pelas regras da AMEA, não era adotado abertamente, mas sim de maneira disfarçada, através de uma série de benesses concedidas aos jogadores de futebol, que iam desde pagamentos de prêmios diferenciados por vitórias, até o fornecimento de empregos e moradias. Tudo para que cada vez mais os atletas se dedicassem exclusivamente ao futebol.
Alguns clubes de maneira menos velada, como o Vasco da Gama, desde há muito adotavam tais práticas - chamadas à época de "amadorismo marrom". Mas até clubes que sempre estiveram na linha de frente na defesa do amadorismo, como o Fluminense, também as adotava.
Floriano Peixoto Corrêa, destacado jogador dos anos 20, que no Rio de Janeiro atuou pelo Fluminense, América e São Cristóvão, escreveu no fim de sua carreira um livro ("Grandezas e Misérias de Nosso Futebol" - 1933), que demostrava bem as relações existentes no futebol carioca durante o falso amadorismo. Atuou no Fluminense entre 1924 e 1927, para onde se transferiu do Grêmio a convite de Lais (ex-jogador e na época dirigente do tricolor). Soldado raso, suas obrigações militares o impedia de se dedicar exclusivamente ao futebol. A solução encontrada pela diretoria tricolor foi a de abrigá-lo em sua sede social e custear as suas despesas imprescindíveis. Diante da tentadora proposta, deu baixa na carreira militar e passou a se dedicar exclusivamente ao futebol.
Capa do livro "Grandezas e Misérias do Nosso futebol" e seu autor - Floriano Peixoto Corrêa quando jogava pelo São Cristóvão
 
Floriano, no entanto, não era o único nessa situação. Outros jogadores, como Nilo e Zezé, tinham o mesmo tipo de vida. Vez ou outra, iam para Petrópolis e se instalavam em um suntuoso palacete, tendo à disposição automóvel de luxo, fumavam charutos e bebiam bons vinhos. Entretanto, nada era deles: a roupa usada por Floriano consistia de um único terno de casimira doado por Ignácio Nogueira, um abastado sócio do clube.
No mesmo livro, nos conta Floriano que em 1925, ao defender o Rio de Janeiro no campeonato brasileiro de seleções (num time formado apenas por jogadores de Flamengo e Fluminense - selecionado esse que na época foi chamado pela imprensa de forma jocosa de "Fla-Flu"...), a AMEA, entidade defensora do amadorismo puro, distribuía polpudos bichos por vitória.
A passagem de Floriano pelo Fluminense revela que mesmo tendo um discurso de defesa do amadorismo puro, o clube praticava alguma forma de falso amadorismo. Se não dava empregos de fachada como fazia o Vasco, o fazia pelo paternalismo dos dirigentes que bancavam o jogador com bichos, presentes e empréstimos nunca cobrados.
Merece destaque nessa história a posição do Fluminense. Outrora um ferrenho defensor do amadorismo no futebol (em nome dele havia idealizado e fundado a AMEA), passou a difundir e a liderar o movimento dos clubes cariocas rumo ao profissionalismo. Essa nova posição que a princípio pode parecer paradoxal do clube tricolor, tem algumas razões bastante plausíveis.
A explicação mais comum para essa mudança de rumo do Fluminense foi dada pelo jornalista Mário Filho em seu livro "O Negro no Futebol Brasileiro". Para ele, o Fluminense cansado de perder campeonatos, tornou-se um pioneiro no profissionalismo, pois percebeu que levava desvantagem em relação aos demais clubes que há muito mantinham em seus quadros jogadores dedicados exclusivamente ao futebol.
Maior campeão carioca da época - em 1933 já tinha nove títulos, o tricolor passava por um jejum que já durava oito anos. Ainda assim essa explicação precisa ser problematizada. Ela, por si só, não é capaz de dar conta de todas as transformações que o nosso futebol sofreu ao longo da década de 1920 e de como essas transformações atingiram o Fluminense.
A adesão do clube das Laranjeiras à tese profissionalizante se deveu a vários fatores relacionados com o aumento das arrecadações, a perda de jogadores para o exterior e uma luta política pelo controle da administração do futebol do Rio de Janeiro travada entre Arnaldo Guinle e Rivadávia Meyer.
Para o Arnaldo Guinle, o profissionalismo era uma evolução natural do futebol que englobava não só o Brasil, mas o mundo todo. O profissionalismo seria um meio para melhorar a qualidade de nosso futebol e assim, permitir espetáculos cada vez mais rentáveis de onde se poderia tirar cada vez mais vantagens comerciais.
Além disso, o Fluminense perdia jogadores, cada vez com mais frequência, para clubes da Europa. Saíram do tricolor, entre outros, jogadores como Ministrinho, Demóstenes e Fernando Giuedeceli, que foi para a Itália deixando a seguinte crítica ao futebol brasileiro:
"Vou para a Itália. Cansei de ser amador no futebol onde essa condição há muito deixou de existir, maculada pelo regime hipócrita da gorjeta que os clubes dão aos seus jogadores, reservando-se para si o grosso das rendas. Durante 20 anos prestei desinteressadamente ao futebol nacional os meus modestos serviços. O que aconteceu? Os clubes enriqueceram e eu não tenho nada. Vou para o país onde sabem remunerar a capacidade do jogador." (Corrêa, 1933:127).
Mas sobretudo foi a conjuntura política que fez o clube mudar a sua posição em relação ao profissionalismo. Rivadávia Meyer, dirigente ligado ao Botafogo e presidente da AMEA na época, e Arnaldo Guinle, presidente de honra do Fluminense, ex-presidente da CBD e da AMEA, travaram uma disputa pelo domínio político do futebol brasileiro tendo como base a questão da profissionalização.
Rivadávia Meyer
 
Ao tornar-se presidente da AMEA em 1932, Rivadávia Meyer não tinha o apoio da maioria dos clubes fundadores. Sua base política era formada pelos chamados "clubes menores". Guinle, ao contrário, liderava a maioria do conselho dos fundadores. Esses, em minoria, apresentaram proposta para reduzir o número de clubes participantes do campeonato carioca para nove - tal proposta visava atender à necessidade de diminuição dos custos em virtude das baixas rendas. Mas a real motivação era a intenção de diminuir o poder político do presidente recém eleito. A estratégia fracassou e o campeonato continuou com os mesmos 12 clubes.
Em agosto de 1932, Arnaldo Guinle deixou claro que o Fluminense lideraria a criação de uma liga de futebol profissional.
(Segue...)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 2 - A revolta dos grandes

A segunda cisão do futebol carioca ocorreu em 1924 e até hoje é tema para inúmeras pesquisas e teses sobre suas reais causas.
 
Sem entrar no mérito de qual tese está correta ou não, o fato é que havia na época uma clara divisão de interesses entre os clubes filiados à LMDT. De um lado os grandes da época - Fluminense, Botafogo, Flamengo e América, chamados de "os estabelecidos"; e de outro os pequenos, com Vasco e os demais clubes menores, chamados de "os outsiders".
 
(Nota do Blogueiro: qualquer semelhança com a atual situação no futebol carioca é mera coincidência)
 
A LMDT criada em 1917, teve como principal bandeira herdada da liga anterior (LMSA) a manutenção do amadorismo. Fora criada com o objetivo principal de manter, organizar e oficializar a prática do futebol de acordo com os conceitos dos clubes fundadores, todos eles pertencentes às classes mais abastadas da cidade, que davam ao futebol um status de uma "tradição inventada" delimitada pelo amadorismo.
 
O futebol carioca vivia um processo acelerado de profissionalização. Esse processo foi o resultado de uma “esportivização” e “espetacularização” do campo das práticas esportivas, em que a concepção do futebol enquanto uma prática amadora, desinteressada e formadora do caráter do jogador perdia espaço para um esporte competitivo e cada vez mais mercantilizado.
 
Impregnada por uma gama de novos interesses, a percepção dos clubes sobre a prática esportiva havia mudado. Não podemos afirmar que essas entidades estivessem dispostas a preservar o amadorismo. Fatos ocorridos no início da década de 20 revelam que tanto o amadorismo quanto as práticas não amadoras compartilhavam o mesmo espaço no futebol fluminense. Portanto a questão não gira em torno de caracterizar os clubes que adotavam as práticas amadoras ou não amadoras.  Na verdade, o cerne da questão estaria relacionado às motivações e interesses de cada entidade na adoção dessas determinadas práticas.
 
E foram estas motivações e interesses pessoais que provocaram uma série de disputas políticas entre os clubes de futebol no interior da LMDT.
 
A situação se agravou de vez com a eleição de Agrícola Benthlen do Vila Isabel Football Club para a presidência da LMDT, em 1923. Tal fato permitiu a ascensão dos pequenos clubes ao controle da liga, retirando os grandes clubes do poder.
 
Para piorar, diferentemente de todas as temporadas anteriores, em 1923, pela primeira vez, a comunidade esportiva presenciaria um clube sem tradição nos esportes terrestres conquistando o campeonato da cidade.
 
Valendo-se de uma nova forma de treinamento implantada por seu técnico uruguaio Ramón Platero, onde o preparo físico e a boa alimentação eram privilegiados, os “Camisas Negras” – como eram chamados os jogadores do Vasco da Gama, impuseram um ritmo intenso de vitórias diante de clubes tradicionais, terminando o torneio somente com uma derrota diante do Flamengo.
 
Em pé: Nicolino, Lingote, Nélson, Leitão, Artur e Bolão;
Agachados: Paschoal, Tortelloni, Arlindo, Ceci e Negrito
 
O aumento do poder dos outsiders passou a afetar o domínio político dos clubes mais tradicionais da cidade, que, diante dos fatos políticos ocorridos em 1923 e da discordância com uma série de atos tomados pela nova diretoria da LMDT, passariam, com base no critério do desenvolvimento material e da cultura esportiva, a pleitear direitos especiais na liga.
 
Em 1924, o recrudescimento dos ânimos do ano anterior se acentuou e as disputas políticas que tiveram em 1923 um caráter de defesa de interesses particulares majoritariamente, passaram a primar pelo interesse comum, numa tentativa dos grandes clubes de reestabelecimento da ordem e de seu poder político.
 
Então, numa reunião na LMDT, Mário Polo – representante do Fluminense, pegou para si a palavra e dizendo não estar ali como um revolucionário, mas sim como um reconstrutor, falou em nome de seu próprio clube e dos demais clubes grandes (Flamengo, Botafogo e América), propondo uma profunda remodelação dos estatutos da LMDT. Dissertou sobre a relação entre o amadorismo e as práticas não amadoras, não concordando que ambos estivessem caminhando no momento de braços dados sem que uma sindicância eficaz venha a separá-los.
 
Apresentou então um novo documento para reger as normas da liga, que possuía duas características marcantes. Primeiro o interesse explícito dos clubes grandes de assegurarem o controle político da entidade – a proposta previa a criação de um conselho deliberativo, formado por nove membros, dos quais quatro deles seriam indicados de cada um dos quatro grandes clubes, e os cinco restantes, representantes dos clubes menores, também indicados pelos próprios grandes!
 
E o segundo aspecto era o discurso em defesa da distinção traduzida em um modelo amador de competição. Os representantes dos clubes deveriam comunicar eleição e a constituição de sua diretoria, com a indicação de residência e profissão dos diretores e local onde estes exerciam suas atividades profissionais; além de reafirmar as regras sobre a inscrição dos atletas amadores – estes não poderiam exercer qualquer tipo de profissão ou empregos subalternos, tais como contínuo, servente, engraxate e motorista.
 
A proposta também estabelecia um prazo de cinco anos para os clubes reformarem ou construírem instalações próprias e apropriadas para a prática do futebol.
 
Tais propostas dividiram os times pequenos – alguns concordavam e outros não, mas o que os uniu foi a oposição à proposta de implantação do sistema de eliminatória olímpica, que estabelecia a prática de outras modalidades esportivas como critério para participação da divisão principal do campeonato. Esse modo de eliminatória deveria substituir aquela que tomava como critério apenas o desempenho do clube na modalidade futebol.
 
América, Botafogo, Flamengo e principalmente o Fluminense, tentavam restabelecer suas posições fazendo com que se preservasse a sua identidade e afirmasse sua superioridade, mantendo os outros firmemente em “seu lugar”, subjugados aos seus interesses políticos e esportivos.
 
Note que não havia em momento algum um desejo dos clubes sublevados de afastarem os clubes menores de seu convívio. Ao contrário, os grandes clubes pretendiam se manter como defensores do futebol amador carioca, enquanto aos pequenos clubes restaria uma condição de insubordinados, aqueles que precisavam ser contidos, pois ameaçavam a fidalguia do esporte na cidade.
 
Importante também registrar o posicionamento do Vasco da Gama, campeão de 1923, diante de tais propostas. O clube cruzmaltino não discordava nem da eliminatória olímpica (afinal já possuía tradição nos esportes náuticos e em outros), e nem do prazo estabelecido para construção de instalações esportivas. A discordância situava-se na desigualdade de direitos de discussão e de voto em favor dos reformadores, além do fim na “flexibilização” das regras a serem impostas somente aos clubes pequenos em relação às profissões de seus atletas.
 
Várias reuniões foram realizadas para discutir os artigos da proposta dos grandes, mas por 21 votos a 15, a eliminatória olímpica foi rejeitada.
 
Amparados no discurso amador, de que o esporte serviria para o pleno desenvolvimento físico, e que a eliminatória olímpica era um critério de distinção esportiva – pois muitos clubes não desenvolviam outras atividades – e material, já que muitas entidades não possuíam praças esportivas com estruturas adequadas, o que manteria um abismo entre os mais tradicionais e a maioria dos clubes pequenos; no dia 22/02/1924 a cisão é consumada: Fluminense, Flamengo, América, Botafogo e Bangu, oficiam à LMDT o pedido de desligamento.
 
Em seguida, no dia 29/02/1924 (mas como era ano bissexto, oficializaram a data de fundação no dia 01/03/1924), os clubes dissidentes fundam a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA).
 
 
Antes mesmo de se prosseguirem as discussões sobre o novo estatuto na LMDT, uma verdadeira debandada dos clubes pequenos em direção à AMEA se iniciou. Para estes, participar da AMEA era uma forma de se manterem próximos dos grandes clubes, usufruindo do carisma dos mesmos, mesmo que para isso deveriam se submeter às normas específicas do grupo.
 
Mas a grande expectativa girava em torno do que faria o campeão de 1923 – o Vasco da Gama, diante de tal situação. Por unanimidade, os fundadores da AMEA decidiram convidar o Vasco a participar da nova entidade, mas sob as mesmas condições impostas aos demais clubes pequenos. As posições dentro do próprio clube eram divergentes. Alguns sócios, liderados pelo ex-presidente Antônio Campos eram contrários à filiação à AMEA; e outros, liderados pelo sócio benemérito José da Silva Rocha, eram favoráveis à filiação.
 
Diante da determinação da AMEA de que os clubes pequenos quando jogassem entre si, só disputariam partidas aos sábados, enquanto que os grandes jogariam sempre aos domingos – o que na prática trazia prejuízos frente aos públicos menores dos jogos nos sábados (provando mais uma vez a distância entre o discurso do amadorismo e a prática profissional dos grandes); principalmente da exigência de eliminação de 12 atletas, sendo sete do primeiro quadro e cinco do segundo, escapando somente os jogadores Nelson, Mingote, Paschoal e Torterolli do time campeão de 1923, a diretoria do Vasco da Gama pediu o seu desligamento da AMEA, anunciou o seu retorno à LMDT e publicou um ofício nos principais jornais da cidade, explicando com exatidão todas as insatisfações do clube.
 
Este documento é conhecido entre os vascaínos como a “Resposta Histórica”.
 
 
Provavelmente, além da implicância com a participação jogadores pobres, negros e profissionais, os clubes fundadores estavam preocupados com a perda da supremacia esportiva – e com ela a redução do número de aficionados e consequentemente a diminuição da renda, por exemplo, − diante do excelente desempenho dos clubes filiados, com equipes bem mais estruturadas e com jogadores cada vez mais talentosos.
 
Quando observamos a carta do Vasco da Gama endereçada à AMEA, percebemos que o primeiro tentava atacar diretamente os representantes da nova entidade, revelando o interesse em se opor e, de certa forma, atingir os alicerces políticos da AMEA. Inicialmente, o presidente vascaíno, José Augusto Prestes, demonstrou seu descontentamento em relação ao excesso de autoritarismo por parte dos grandes clubes, principalmente os “privilégios concedidos aos cinco clubs fundadores da AMEA e a fórma porque será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações”.
 
Posicionando-se como uma vítima dos mandos e desmandos políticos da AMEA, o presidente ainda destacou que o estatuto era preconceituoso, e que a posição subalterna do Vasco da Gama estava sendo definida a partir das “difficuldades do nosso campo, [...] [da] simplicidade de nossa sede, [e da] condição modesta do grande número dos nossos associados”.
 
Mantendo seu discurso sobre o preconceito social, José Augusto Prestes não se conformou com o afastamento sumário de alguns de seus jogadores. Para ele, “o processo por que foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consórcios foi levado a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa”, afastando dos campos “alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras victórias, a do Campeonato de Football da cidade jovens, quasi todos brasileiros, no começo da sua carreira”.
 
A resposta da AMEA ao ofício do Vasco da Gama reforça a proposta de que essa entidade buscava uma forma de assegurar o controle político do futebol. Surpreso por tomar conhecimento do ofício pela leitura dos jornais, Arnaldo Guinle rebateu o protesto sobre o excesso de autoritarismo por parte dos clubes fundadores destacando que a organização da AMEA já era conhecida  pelo Vasco antes de seu pedido de filiação”, e  reforçou que os direitos dos fundadores da AMEA, não seriam os mesmos concedidos ao clube cruzmaltino. No que tange ao impedimento de alguns atletas do Vasco da Gama, Arnaldo Guinle se mostrou surpreso pelo fato do Vasco não ter protestado em relação à sindicância, afirmando que nunca poderia ter negado a quem quer que fosse o direito de defesa, porém em seguida o dirigente justificou a situação alegando impossibilidade de discutir “todos esses casos particulares naquelle momento, dada a exigüidade de tempo que nos separava do início dos campeonatos officiaes da actual temporada sportiva”.
 
Aquilo que, aparentemente parecia uma justificativa embasada nos critérios políticos, mostrou-se afinal como um critério subitamente aleatório.  Mesmo embasando suas respostas sob um foco estritamente político, a carta do presidente da AMEA revelou certo preconceito social quanto à composição da equipe do Vasco da Gama.
 
A posição social de muitos sócios portugueses do Vasco da Gama garantia parte do prestígio do clube diante dos olhos de Arnaldo Guinle. Contudo, o cultivo das boas relações entre Guinle e alguns nomes da elite lusitana não foi suficiente para que o Vasco da Gama mantivesse a sua equipe. Mesmo com o corte da maioria dos atletas, os critérios estabelecidos pela AMEA acabaram poupando alguns jogadores consagrados na temporada de 1923 como o goleiro do Vasco da Gama Nelson da Conceição. A permanência do goleiro Nelson, um modesto chofer, apesar de todo o radicalismo dos novos estatutos, revela que as possibilidades de acesso de jogadores pobres e que exercessem profissão braçal permanecia indicando que os critérios de seleção permaneciam imprecisos, contraditórios e possivelmente ligados a interesses políticos particulares.
 
 José Augusto Prestes
Presidente do Vasco da Gama em 1924
 
Arnaldo Guinle
Presidente da AMEA em 1924
 
Em resumo, repetindo o que ocorrera em 1912, em 1924 tivemos dois campeonatos. Um organizado pela LMDT, vencido novamente pelo Vasco; e o outro organizado pela AMEA, vencido pelo Fluminense. Os dois campeões são hoje reconhecidos pela FERJ.
 
Em 1925, o Vasco foi admitido na AMEA, graças ao apoio de Carlito Rocha então presidente do Botafogo (muitos dizem que aí está a origem da amizade entre botafoguenses e vascaínos), que soube vencer as resistências internas na AMEA. Para ser admitido, o Vasco aceitou sediar os seus jogos no campo do Andaraí, na rua Barão de São Francisco, onde hoje está o Boulevard Rio Shopping; mas pode manter todos os seus jogadores campeões em 1923 e 1924 incondicionalmente.
 
A LMDT não foi extinta em continuou organizando campeonatos estaduais até 1932, tendo como campeões os seguintes clubes: 1925 - Engenho de Dentro AC; 1926 e 27 - Modesto FC; 1928 e 29 - Sport Club America; 1930 - Grêmio Esportivo Santa Cruz; 1931 - Oriente AC; e 1932 - Sport Club Boa Vista. Curiosamente, nos dias atuais, para efeito de contagem de títulos, a FERJ não considera tais campeonatos, ao contrário do que faz em relação a 1924 com o título do Vasco.
 
 
Mais uma vez se pacificava o futebol carioca, até que nova cisão aconteceria. Mas isso é papo para o nosso próximo texto.
 

 
Fluminense campeão de 1924 pela AMEA
Time base: Haroldo, Léo, Petit, Nascimento, Floriano, Fortes, Zezé, Lagarto, Nilo, Preguinho e Moura Costa
 
 
Vasco da Gama campeão de 1924 pela LMDT
Em pé: Leitão, Mingote, Brilhante, Negrito, Nelson, Ceci, Russinho, Arthur, Pascoal e Torterolli.
Agachado: Bolão

terça-feira, 7 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 1 - O clube da capa-e-espada!

Desde o início deste ano, uma verdadeira guerra de notas oficiais, declarações à imprensa e protestos vem dividindo o espaço das notícias sobre o futebol carioca.
 
Flamengo e Fluminense se uniram contra a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), que conta como aliados os outros clubes grandes, Vasco e Botafogo, num movimento ainda de consequências imprevisíveis.
 
Por Mario Alberto - Blog de Charges - 05/04/2015 
 
 

Segundo o que vem sendo publicado, entre outros objetivos, tricolores e rubro-negros almejam a criação de uma liga independente da federação, o que na prática representaria mais uma cisão no futebol carioca.
 
Sim! Mais uma cisão! Em quatro momentos da história do futebol do Rio de Janeiro aconteceram cisões que, até hoje, ainda exibem feridas e cicatrizes.
 
A primeira delas aconteceu em 1911, durante a sexta edição do campeonato estadual. O jogo Botafogo x América, disputado em 25/06/1911, num clima de violência, estava empatado em 1 x 1, quando Flávio Ramos (o primeiro presidente do Botafogo Football Club), recebeu entrada violenta de Gabriel de Carvalho. Albelardo de Lamare o aconselhou a revidar, o que foi ouvido pelo jogador americano que passou a insultá-lo. Em resposta Abelardo acertou-lhe um bofetão e a confusão se transformou em uma briga generalizada, com o campo da rua Voluntários da Pátria, onde na época o Botafogo mandava os seus jogos, sendo invadido pelos torcedores. A partida chegou a ser reiniciada, mas o placar não se alterou.
 
Antes mesmo de qualquer decisão da Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA), a federação da época, o Botafogo decidiu abandonar a competição, em solidariedade ao seu jogador e artilheiro da conquista do ano anterior.
 
De fato, como punição, Abelardo de Lamare foi suspenso pela LMSA por um ano, enquanto que Gabriel de Carvalho, jogador americano, recebeu punição mais branda com uma suspensão de 30 dias.
 
Por esta postura, o clube alvinegro recebeu do jornalista Mário Filho a alcunha de "clube da capa-e-espada", conforme destaco a seguir de sua coluna publicada no Jornal dos Sports no dia 18/08/1956:
 
"Nada que o atinja e mesmo que não o atinja, mas que ele julgue foi para atingi-lo, é coisinha para ele. Ele devia ter nascido em outra época. É a única flor retardatária de capa-e-espada que surgiu depois dos 1900. Trata-se mais de um Gascão, de um D'Artagnan, sempre pronto a desembainhar a espada. Ouve muito mais a voz do coração do que a da cabeça. Qual era o clube capaz de largar uma Liga, sem outra Liga para ir, por causa da suspensão de um jogador? Aconteceu isso em 1911, justamente no ano em que o Fluminense preferiu perder um time a deixar de ser o que era, isto é, o Fluminense. O Botafogo fez o contrário, para continuar mais Botafogo do que nunca."
 
Este gesto, que poderia ser encarado como apenas uma indisciplina, uma picuinha dos rapazes imberbes do Botafogo, acabou por revelar uma das características mais marcantes do clube alvinegro. Saindo da Liga oficial, correu o risco de perder todos os jogadores que foram campeões no certame do ano anterior, justamente o ano em que revolucionara o futebol carioca. Primeiro finalmente quebrando a hegemonia tricolor, vencedor dos quatro campeonatos anteriores, e segundo sendo campeão com um time de rapazes. Até 1910 era praxe os jogadores usarem bigodes. Mais que estética, significava que para ser jogador de futebol era necessário ser homem feito. Pois o Botafogo foi campeão com um time mirim, dando ao futebol o luxo de ser jovem, rapaz, algo que em seguida os demais clubes passariam a fazer também.
 
Depois de abandonar o campeonato (que acabou sendo vencido pelo Fluminense) e a LMSA, o Botafogo fundou a Associação de Football do Rio de Janeiro (AFRJ), que organizou um campeonato paralelo em 1912, conquistado pelos próprios alvinegros - seu terceiro título carioca pois já havia ganho em 1907 (dividido com o Fluminense) e em 1910. Apesar de ser uma liga de menor expressão, e de ter que disputar jogos em campos muito ruins, como o da rua São Clemente (seu campo na rua Voluntários da Pátria era alugado e tinha sido devolvido em 1911), que ficava perto de uma pedreira (daí o apelido dado a AFRJ de "Liga da Pedreira"), nenhum jogador campeão em 1910 abandonou o clube.
 
Pela LMSA, o campeonato de 1912 (ano da estreia do Flamengo), é vencido pelo Payssandu - único título desse clube ainda existente, mas que atualmente não disputa mais campeonatos profissionais de futebol.
 
A AFRJ teve vida curta e acabou por fundir-se à LMSA em 1913, que nos anos que se seguem acaba por receber uma série de acusações de suborno, tornando insustentável sua permanência na organização do futebol carioca. Então, em 1917, a LMSA é extinta e os clubes criam a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), pacificando de vez o futebol carioca da época.
 
Até que outra cisão aconteceria... Mas isso é tema para o nosso próximo bate-papo.
 
Abelardo de Lamare
 
Botafogo Football Club - Campeão Carioca de 1912 pela AFRJ
 
Paysandu Cricket Club - Campeão Carioca de 1912 pela LMSA

domingo, 5 de abril de 2015

Antes de mais nada...

Antes do Big Bang, não havia o que chamar de antes. Era o que todo mundo pensava. Mas agora uma série de teorias está incendiando a ciência. E podem, finalmente, revelar o impensável: o que existia antes do começo de tudo!
 
E antes de mais nada, antes dessa nova jornada que se inicia na minha vida, eu gostaria de me apresentar a você.
 
Chamo-me Francisco José (segundo meu pai, homenagens ao meu bisavô e ao meu avô, respectivamente), mas a imensa maioria dos meus amigos, conhecidos, colegas e até mesmo quem eu não conheço, me chamam de Kiko. Fique a vontade para me chamar como quiser. Neto de portugueses imigrantes de Penalva do Castelo - uma vila do Distrito de Viseu, na região Central de Portugal, o meu destino não poderia ser outro: eu sou VASCAÍNO!!
 
Mas não nasci assim... Por influência de primos botafoguenses, torci pelo time da Estrela Solitária até exatamente os meus cinco anos, nove meses e vinte dias de idade. Precisamente no dia 01/08/1974, tornei-me vascaíno de coração ao ver o Gigante da Colina ser Campeão Brasileiro pela primeira vez, no Maracanã.
 
Há muito venho "gestando" a ideia de escrever em um blog. Muitos ensaios tem sido feitos desde a época do "falecido" Orkut, passando pelo Facebook e culminando com a primeira experiência em escrever neste tipo de mídia, no blog Panorama Vascaíno (sinta-se convidado a lê-lo!). Mas lá, escrevo especificamente sobre o Vasco da Gama.
 
Aqui tenho a pretensão de escrever sobre as histórias e as estórias do futebol brasileiro e mundial. Uma explicação é necessária acerca da diferença entre os termos história e estória. A palavra correta e etimologicamente aceita é história. Ela significa, segundo o dicionário Michaelis de língua portuguesa, uma narração ordenada, escrita, dos acontecimentos e atividades humanas ocorridas no passado. Mas essa é apenas uma das dez (!) definições que encontramos no dicionário... Já a palavra estória aparece em dicionários mas não é unanimemente aceita, sendo o seu uso condenado por muitos por se considerar uma “invenção” brasileira sem necessidade de existir.
 
Em suma, alguns defendem que devemos utilizar o termo história para a narração de fatos documentados e situações reais sobre o passado da humanidade e o termo estória para a narração de fatos imaginários, de ficção. E assim farei aqui. Histórias de futebol serão fatos narrados por mim a partir de pesquisas feitas na minha pequena biblioteca de livros (daí o visual do blog... Gostou?). À tal "pequena biblioteca", sempre me referirei como "meus alfarrábios".
 
E além de histórias, também contarei estórias. Fatos fictícios ou não, a partir de minhas experiências futebolísticas de mais de 40 anos de arquibancadas e andanças por aí, além de narrativas de outros amigos e colegas que amam esse que é o esporte mais popular do planeta.
 
E por falar em amigos, alguns merecem menção honrosa aqui nesse meu primeiro contato. Começo por aquele que me deu a primeira oportunidade de escrever de maneira mais organizada e direcionada, que abriu um espaço no Panorama Vascaíno para mim: meu irmão vascaíno Zeh Catalano. Outro que não poderia deixar de citar, igualmente aficionado por futebol, que escreve o ótimo Futblog dos Amigos, e quem me inspira e incentiva a também escrever: meu amigo tricolor Osmar Lage.
 
A muitos outros eu poderia também dedicar algumas palavras, mas paro por aqui com objetivo de não cometer injustiças.
 
Então, convido você a comentar, discutir, contestar, divulgar... Enfim, fazer o que quiser com estas minhas linhas. Não pretendo em nenhum momento ser o "dono da verdade", mas peço encarecidamente que sejamos todos educados e que saibamos conviver com as opiniões diferentes, sejam elas conflitantes com a sua ou não, sejam elas até aderentes mas por caminhos diferentes.
 
O futebol move paixões. Ele é essencialmente uma paixão. E como toda paixão, ele muitas vezes ultrapassa a tênue linha da razão e da loucura. Considero a rivalidade algo necessário, não só no esporte, mas na vida. Rivalidade não é inimizade. Mas cabe também deixar claro que antes da rivalidade, há o sentido principal do esporte: brincar! Sim! Futebol é nada mais nada menos que algo que serve para nos entreter.
 
Aqui, o respeito às tradições e às glórias de todos os clubes será uma regra, um norte, algo que deverá sempre me pautar em meus textos e eu conto com você para me policiar.
 
Espero que você goste e desde já, estou aqui do outro lado da tela, para conversarmos sobre as histórias e a estórias do futebol.