quinta-feira, 16 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 3.1 - Amadorismo x Profissionalismo: o Flu muda de opinião


Em 1933 ocorreu não só a terceira cisão como o início do, talvez, período mais conturbado do futebol carioca, que perduraria até 1937, com pelo menos dois campeonatos sendo disputados paralelamente em cada ano.
Desde a década de 20 e cada vez mais forte no início dos anos 30, um falso amadorismo era praticado por todos os clubes cariocas. O profissionalismo, proibido pelas regras da AMEA, não era adotado abertamente, mas sim de maneira disfarçada, através de uma série de benesses concedidas aos jogadores de futebol, que iam desde pagamentos de prêmios diferenciados por vitórias, até o fornecimento de empregos e moradias. Tudo para que cada vez mais os atletas se dedicassem exclusivamente ao futebol.
Alguns clubes de maneira menos velada, como o Vasco da Gama, desde há muito adotavam tais práticas - chamadas à época de "amadorismo marrom". Mas até clubes que sempre estiveram na linha de frente na defesa do amadorismo, como o Fluminense, também as adotava.
Floriano Peixoto Corrêa, destacado jogador dos anos 20, que no Rio de Janeiro atuou pelo Fluminense, América e São Cristóvão, escreveu no fim de sua carreira um livro ("Grandezas e Misérias de Nosso Futebol" - 1933), que demostrava bem as relações existentes no futebol carioca durante o falso amadorismo. Atuou no Fluminense entre 1924 e 1927, para onde se transferiu do Grêmio a convite de Lais (ex-jogador e na época dirigente do tricolor). Soldado raso, suas obrigações militares o impedia de se dedicar exclusivamente ao futebol. A solução encontrada pela diretoria tricolor foi a de abrigá-lo em sua sede social e custear as suas despesas imprescindíveis. Diante da tentadora proposta, deu baixa na carreira militar e passou a se dedicar exclusivamente ao futebol.
Capa do livro "Grandezas e Misérias do Nosso futebol" e seu autor - Floriano Peixoto Corrêa quando jogava pelo São Cristóvão
 
Floriano, no entanto, não era o único nessa situação. Outros jogadores, como Nilo e Zezé, tinham o mesmo tipo de vida. Vez ou outra, iam para Petrópolis e se instalavam em um suntuoso palacete, tendo à disposição automóvel de luxo, fumavam charutos e bebiam bons vinhos. Entretanto, nada era deles: a roupa usada por Floriano consistia de um único terno de casimira doado por Ignácio Nogueira, um abastado sócio do clube.
No mesmo livro, nos conta Floriano que em 1925, ao defender o Rio de Janeiro no campeonato brasileiro de seleções (num time formado apenas por jogadores de Flamengo e Fluminense - selecionado esse que na época foi chamado pela imprensa de forma jocosa de "Fla-Flu"...), a AMEA, entidade defensora do amadorismo puro, distribuía polpudos bichos por vitória.
A passagem de Floriano pelo Fluminense revela que mesmo tendo um discurso de defesa do amadorismo puro, o clube praticava alguma forma de falso amadorismo. Se não dava empregos de fachada como fazia o Vasco, o fazia pelo paternalismo dos dirigentes que bancavam o jogador com bichos, presentes e empréstimos nunca cobrados.
Merece destaque nessa história a posição do Fluminense. Outrora um ferrenho defensor do amadorismo no futebol (em nome dele havia idealizado e fundado a AMEA), passou a difundir e a liderar o movimento dos clubes cariocas rumo ao profissionalismo. Essa nova posição que a princípio pode parecer paradoxal do clube tricolor, tem algumas razões bastante plausíveis.
A explicação mais comum para essa mudança de rumo do Fluminense foi dada pelo jornalista Mário Filho em seu livro "O Negro no Futebol Brasileiro". Para ele, o Fluminense cansado de perder campeonatos, tornou-se um pioneiro no profissionalismo, pois percebeu que levava desvantagem em relação aos demais clubes que há muito mantinham em seus quadros jogadores dedicados exclusivamente ao futebol.
Maior campeão carioca da época - em 1933 já tinha nove títulos, o tricolor passava por um jejum que já durava oito anos. Ainda assim essa explicação precisa ser problematizada. Ela, por si só, não é capaz de dar conta de todas as transformações que o nosso futebol sofreu ao longo da década de 1920 e de como essas transformações atingiram o Fluminense.
A adesão do clube das Laranjeiras à tese profissionalizante se deveu a vários fatores relacionados com o aumento das arrecadações, a perda de jogadores para o exterior e uma luta política pelo controle da administração do futebol do Rio de Janeiro travada entre Arnaldo Guinle e Rivadávia Meyer.
Para o Arnaldo Guinle, o profissionalismo era uma evolução natural do futebol que englobava não só o Brasil, mas o mundo todo. O profissionalismo seria um meio para melhorar a qualidade de nosso futebol e assim, permitir espetáculos cada vez mais rentáveis de onde se poderia tirar cada vez mais vantagens comerciais.
Além disso, o Fluminense perdia jogadores, cada vez com mais frequência, para clubes da Europa. Saíram do tricolor, entre outros, jogadores como Ministrinho, Demóstenes e Fernando Giuedeceli, que foi para a Itália deixando a seguinte crítica ao futebol brasileiro:
"Vou para a Itália. Cansei de ser amador no futebol onde essa condição há muito deixou de existir, maculada pelo regime hipócrita da gorjeta que os clubes dão aos seus jogadores, reservando-se para si o grosso das rendas. Durante 20 anos prestei desinteressadamente ao futebol nacional os meus modestos serviços. O que aconteceu? Os clubes enriqueceram e eu não tenho nada. Vou para o país onde sabem remunerar a capacidade do jogador." (Corrêa, 1933:127).
Mas sobretudo foi a conjuntura política que fez o clube mudar a sua posição em relação ao profissionalismo. Rivadávia Meyer, dirigente ligado ao Botafogo e presidente da AMEA na época, e Arnaldo Guinle, presidente de honra do Fluminense, ex-presidente da CBD e da AMEA, travaram uma disputa pelo domínio político do futebol brasileiro tendo como base a questão da profissionalização.
Rivadávia Meyer
 
Ao tornar-se presidente da AMEA em 1932, Rivadávia Meyer não tinha o apoio da maioria dos clubes fundadores. Sua base política era formada pelos chamados "clubes menores". Guinle, ao contrário, liderava a maioria do conselho dos fundadores. Esses, em minoria, apresentaram proposta para reduzir o número de clubes participantes do campeonato carioca para nove - tal proposta visava atender à necessidade de diminuição dos custos em virtude das baixas rendas. Mas a real motivação era a intenção de diminuir o poder político do presidente recém eleito. A estratégia fracassou e o campeonato continuou com os mesmos 12 clubes.
Em agosto de 1932, Arnaldo Guinle deixou claro que o Fluminense lideraria a criação de uma liga de futebol profissional.
(Segue...)

Um comentário:

  1. Elogiar seu conteudo, nunca e demais, é, apenas, justiça. Amigo, muito bem escrito, me envolveu na historia. Parabens!!!

    ResponderExcluir