terça-feira, 21 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 3.2 - Amadorismo x Profissionalismo: uma nova era se inicia


A disputa política entre Arnaldo Guinle e Rivadavia Meyer dividiu os clubes cariocas. De um lado Fluminense, América, Vasco e Bangu alinhados ao profissionalismo e à Arnaldo Guinle. Simpático a este grupo também figurava o presidente da CBD na época: Renato Pacheco.
 
Alinhados ao amadorismo e à Rivadávia Meyer ficaram Botafogo, Flamengo, São Cristóvão e os demais clubes pequenos.


 
Em 1932, Oscar da Costa, que assumira a presidência do Fluminense em 1931, depois de convencido pelo seu antecessor (Arnaldo Guinle) para a causa do profissionalismo (desde que o futebol profissional não se misturasse às demais  atividades amadoras do clube), abre conversas com os presidentes do América (Antônio Gomes Avelar), do Bangu (José Alberto Guimarães) e do Vasco (Antônio de Almeida Pinho), para a criação de um grupo pró profissionalismo.
 
A posição de Vasco e Bangu pelo profissionalismo não surpreendia. Pioneiros entre os clubes mais importantes da cidade na utilização de jogadores mais modestos, ambos há muito tempo já praticavam um profissionalismo disfarçado. No Vasco, para que seu jogadores se dedicassem exclusivamente ao futebol, os mesmos eram empregados no comércio, que era dominado pela comunidade lusa da época. No Bangu, os jogadores eram empregados na fábrica de tecidos instalada no bairro de mesmo nome, e assim  também podiam se dedicar exclusivamente ao futebol.
 
O América aderiu à causa pelo profissionalismo almejando a remuneração que as rendas advindas do novo regime poderiam vir e assim tirá-lo de uma tremenda crise financeira por que passava na ocasião.
 
Em julho de 1932, realiza-se na sede do Fluminense uma reunião com objetivo de se debater o profissionalismo, contando com a presença de representantes de diversos clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, representante da APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), representante dos árbitros, da imprensa e até representantes da torcida foram convidados e compareceram, como Gomes da Cruz do Vasco. A reunião foi marcada por muitas discussões entre o grupos que defendiam o profissionalismo e grupo que defendia a manutenção do amadorismo.
 
Em seguida, numa entrevista, o presidente do Fluminense anuncia mais um passo rumo a profissionalização do futebol: a remuneração da arbitragem. Acreditava o presidente tricolor que tal medida teria efeito benéfico na qualidade da arbitragem no futebol.
 
Uma segunda reunião foi marcada novamente na sede do Fluminense, mas dessa vez, além dos anfitriões, compareceram apenas representantes do São Cristóvão, Bangu, Botafogo, Vasco, América, e Flamengo. O presidente da CBD (Ricardo Pacheco) também fora convidado, mas não compareceu.
 
Dessa reunião, apesar dos desentendimentos, uma comissão é composta para a elaboração de um projeto de estatuto de uma liga profissional de futebol no Rio de Janeiro.

Com a criação da comissão, o debate pega fogo. O presidente da AMEA, Rivadávia Meyer, critica abertamente a inciativa e até a imprensa da época fica dividida. O Jornal do Brasil e o Correio da Manhã se colocam contrários ao profissionalismo, enquanto que O Globo e Jornal dos Sports faziam campanha de apoio ao profissionalismo.
 
No dia 12 de janeiro de 1933, a proposta de estatuto da Liga Carioca de Futebol (LCF) é apresentada para ser validada ou não em assembleia.
 
Tudo caminhava para a aprovação e pelo estabelecimento do profissionalismo no futebol carioca, entretanto, toma posse no dia 15 de janeiro de 1933 uma nova diretoria no Vasco da Gama. Esta, ao contrário da anterior, era simpatizante ao amadorismo.
 
O futuro do futebol carioca foi então definido em uma reunião na sede do Vasco em 21 de janeiro de 1933. Pressionada pelo conselho deliberativo, toda a nova diretoria renuncia. O conselho então assume a administração do clube e mantém a posição favorável ao profissionalismo.
 
Uma possível mudança de posição do Vasco ameaçaria a vitória do profissionalismo, pois para a aprovação do novo estatuto, bastava uma vitória por maioria simples em uma votação. Em nova reunião realizada no dia 23 de janeiro de 1933, novamente na sede do Fluminense, os estatutos da LCF foram aprovados pelo placar de 4 x 3. Votaram a favor Fluminense, Vasco, América e Bangu; e contrários Botafogo, Flamengo e São Cristóvão. Os três clubes contrários se retiram da reunião afirmando que nada mais tinham a fazer na reunião.
 
A LCF seria composta incialmente por Bangu, Fluminense, Vasco, América e Bonsucesso. Permaneceram na AMEA: Botafogo, Flamengo, São Cristóvão, Carioca, Olaria, Andaraí, Cocotá, Confiança, Engenho de Dentro, River, Brasil, Mavilis e Portuguesa.
 
No Flamengo havia um clima político muito confuso. O presidente eleito - Paschoal Segreto Sobrinho, era partidário do profissionalismo, porém, a diretoria repudiou a proposta em uma reunião realizada no dia 19 de janeiro de 1933, o que levou à renúncia do presidente eleito. Foi substituído por José Bastos Padilha que, inicialmente, apoia a manutenção do amadorismo, levando o clube a votar de maneira alinhada ao Botafogo.
 
Essa posição não demorou muito. Convidado por Vasco e Fluminense, o Flamengo abandona o campeonato da AMEA - já havia disputado três partidas: empate em 2 x 2 com o Olaria, vitória de 3 x 2 contra o Carioca e a incrível goleada de 16 x 2 contra o River (a maior goelada da história do campeonato carioca), e se filia a LCF ainda a tempo de disputar o seu campeonato.
 
Também foram convidados para integrar a nova liga profissional o São Cristóvão e o Carioca. O São Cristóvão, que também já tinha disputado quatro jogos pelo campeonato da AMEA, aceita o convite mas prefere disputar a segunda divisão da LCF, mesmo tendo sido o quarto colocado no campeonato de 1932. Sua decisão foi baseada no fato de que na divisão inferior, haveria mais chance de se tornar campeão, o que de fato veio a acontecer. Por conta de seu êxito, foi convidado no ano seguinte a disputar a primeira divisão.
 
O Carioca Football Club, depois de disputar alguns jogos pelo campeonato da AMEA, também abandona o certame mas não aceita o convite da LCF. O clube passava por alterações administrativas, fundindo-se ao Gávea Esporte Club e mudando o seu nome para Carioca Esporte Clube. Só voltaria a disputar campeonatos de futebol em 1935 em uma outra liga que seria criada neste ano.
 
Com a implantação profissional, a AMEA desfiliou os clubes dissidentes que consideraram a decisão da AMEA como irrisória. A LCF pleiteia a filiação à CBD presidida por Renato Pacheco, alinhado politicamente a Arnaldo Guinle, mas graças a atuação de Luis Aranha, que fazia oposição ao presidente da CBD na ocasião, a situação ficou inicialmente indefinida em uma assembleia realizada em maio de 1933 na entidade. Em nova assembleia realizada em junho de 1933, a CBD ratifica a decisão da AMEA pela desfiliação dos clubes dissidentes e nega o reconhecimento à LCF. Esta então se junta à APEA de São Paulo e funda a Federação Brasileira de Futebol (FBF).
 
No final das contas, houve dois campeonatos cariocas hoje reconhecidos em 1933. Um disputado sob o patrocínio da LCF, chamado de profissional. E outro disputado sob o patrocínio da AMEA, dito amador porém considerado oficial por ser esta entidade reconhecida pela CBD.
 
Na LCF sagrou-se campeão o Bangu pela primeira vez na sua história ao derrotar o Fluminense por 4 x 0 em partida realizada nas Laranjeiras.
 
Na AMEA o Botafogo conquistou o bicampeonato com um time baseado no campeão do ano anterior, mas enfraquecido pela saída de alguns jogadores que resolveram se profissionalizar, já que os dirigentes do clube alvinegro liberaram aqueles que quisessem aderir ao novo regime.

Bangu - Campeão Carioca de 1933 pela LCF

Botafogo - Campeão Carioca de 1932 - time base para o bicampeonato em 1933 pela AMEA
 
 
Vale aqui o esclarecimento de um mito muita vezes levantado pelas torcidas rivais de que o Flamengo, último colocado do campeonato disputado pela LCF em 1933, deveria ter sido rebaixado e não foi. Apesar da colocação final do rubro-negro (o campeonato foi disputado com apenas seis clubes em turno e returno e o Flamengo ficou na última colocação), e de haver uma segunda divisão na LCF (vencida pelo São Cristóvão), não havia no regulamento a previsão de acesso ou de descenso. Os clubes tinham sido convidados a participar do campeonato e não faria muito sentido rebaixar um clube convidado que aderira a causa do profissionalismo trazendo mais força e representatividade. No anos seguinte, o São Cristóvão não ascendeu à primeira divisão por conta de alguma previsão de acesso no regulamento, mas sim por um simples reconhecimento dos dirigentes da LCF. Subiu à primeira divisão por um simples convite.
 
Ainda como registro histórico, em 1933, com a fundação da liga profissional (LCF), a antiga LMDT, desiste de rivalizar com mais uma liga e se torna uma sub-liga da própria LCF, ficando responsável pelos campeonatos amadores da mesma. Sobreviveu nessa condição por mais dois anos quando finalmente foi extinta. Durante este período, foram campeões pela LMDT em 1933 a Viação Excelsior e em 1934 o São José - ambos também ignorados pela atual FERJ na estatística dos campeões cariocas.

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