terça-feira, 9 de junho de 2015

Origens - 3.3 - Club de Regatas Vasco da Gama: "No remo és imortal!"

Fundado o clube, era necessário se instalar. Um local de águas tranquilas e de grande ocupação da parte mais abastada da colônia portuguesa no Rio de Janeiro foi escolhido para construção da primeira sede do Vasco: a Ilha das Moças.

A Ilha das Moças hoje não existe mais. Foi aterrada durante as obras de ampliação do Porto do Rio de Janeiro. Ela se localizava onde hoje fica o quarteirão entre a esquina das ruas Cidade de Lima e Cordeiro da Graça, e parte da rua Equador no sentido da Av. Professor Pereira Reis, no bairro do Santo Cristo.

Mapa com antiga localização da Ilha das Moças

Mas enquanto a sede definitiva estava em construção, o clube se instalou de maneira provisória em um sobrado alugado na Rua da Saúde, nº 127. Foi nesse local que o Vasco recebeu em 10/09/1898, visitas cordiais de delegações de outros clubes de remo da cidade, entre eles o Botafogo e o Flamengo.

A sede ficou pronta no fim de 1898 e o Vasco lá se instalou em janeiro de 1899. Porém, logo percebeu-se que o local não era adequado para as instalações do clube. Além de ficar longe de onde a maioria dos sócios moravam, quando chovia, o local ficava muito enlameado o que dificultava a circulação dos vascaínos. A insatisfação foi geral e mudar acabou se tornando imperativo para o jovem clube.

Nas discussões sobre a escolha de um novo local para onde o clube deveria migrar, o clube se dividiu e por pouco não acabou... Um grupo de sócios liderados pelo presidente Francisco Couto queria que o destino fosse o bairro de Botafogo, enquanto que um outro grupo, liderado pelo sócio fundador e grande remador da época José Lopes de Freitas, preferiam o Boqueirão do Passeio, no Centro, alegando que Botafogo ficava muito longe de onde a maioria dos associados moravam e trabalhavam.

As propostas foram colocadas em votação e a tese defendida por José Lopes venceu. Surpreendido pela derrota, Francisco Couto renuncia à presidência, assim como toda a sua diretoria. Logo depois fundam, na enseada de Botafogo o Club de Regatas Guanabara para onde migrou uma boa parte dos sócios vascaínos.

Ainda em 1899, o Vasco alugou um galpão vizinho ao local onde ficava outro galpão (do Club de Regatas Boqueirão do Passeio), na Travessa do Maia, nº 15, no Centro do Rio de Janeiro, para onde se mudou definitivamente em julho de 1899, e onde ficou instalado até 1905.


Curioso observar que em menos de um ano, o clube teve três sedes. E essa seria uma tônica nos anos iniciais do Vasco da Gama. O clube sofreu com seguidas desapropriações e mudanças forçadas impostas pela prefeitura da cidade devido às mudanças de urbanização que a orla carioca no Centro sofreu nos primeiros anos do século XX.

Com dois meses de existência, O Vasco já contava com um quadro social composto por 250 associados. Número suficiente para solicitar sua filiação à União de Regatas Fluminense, o que foi feito através do ofício encaminhado a esta entidade em 07/11/1898.

Para participar das primeiras regatas, o Vasco adquiriu três barcos: Zoca, uma canoa de quatro remos; Vaidosa, uma baleeira de quatro remos; e Volúvel, outra baleeira, mas de seis remos, todas construídas de madeira de cedro.

Primeiros barcos do Vasco - de trás para frente: Zoca, Vaidosa e Volúvel.

Filiação regularizada, o clube disputa sua primeira competição em 13/11/1898, quando competiu em dois páreos com as baleeiras Vaidosa e Volúvel e não ganhou nenhum. Mas a primeira e histórica vitória não tardaria para acontecer. Na segunda regata do campeonato de 1899, realizada no dia quatro de junho, o Vasco venceu o primeiro páreo com a baleeira Volúvel. Sua guarnição formada pelos remadores Adriano Vieira (timoneiro), José Lopes de Freitas, Joaquim de Oliveira Campos, José Cunha, Antônio Frazão Salgueiro, J. P. Breda de Melo, e Carlos José Baptista Rodrigues entrou para a história como os primeiro vencedores do clube.

Em 1900, o Vasco seguiria vencendo páreos, mas o título teimava em não vir. Para piorar, ainda se recuperando da quase extinção ocorrida em 1899, em 1901 nova cisão quase termina com suas atividades novamente.

Remadores vascaínos em 1901


Uma discussão acerca de propostas da estrutura hierárquica do clube dividiu o clube. Depois de muita confusão, com assembleias anuladas e recursos na Justiça, a proposta foi rejeitada e o grupo perdedor abandona o clube para se filiar ao Club Internacional de Regatas - um rival do remo na época.

E o inferno astral do Vasco não acabaria aí... Apesar da boa notícia do retorno do primeiro presidente Francisco Couto ao quadro de associados e de sua eleição novamente para presidente do clube no final de 1901, o mesmo vem a falecer em março de 1902. Em maio do mesmo ano, nova tragédia: numa viagem a Icaraí em Niterói, a baleeira Vascaína vira e o mar agitado "engole" 4 de seus 13 tripulantes, entre eles, um dos fundadores do clube, Luiz Jacinto Ferreira de Carvalho.

Jornal do Brasil de 1902 retratando a tragédia
 
O clube demorou a se recuperar e, apesar de vencer alguns páreos entre 1902 e 1904, somente em 1905 finalmente venceria um campeonato de remo. Naquela época, o campeonato carioca era decidido apenas em uma única prova chamada "Campeonato de Remo do Rio de Janeiro".

Na primeira regata disputada em junho, cinco primeiros lugares. Na seguinte, ocorrida em 24/09/1905, o Vasco disputando pela primeira vez o páreo que valia o campeonato (num prenúncio do que repetiria alguns anos depois em outro esporte...), com a yole Procellaria, conquistou o primeiro título de sua história. Ainda venceu mais quatro páreos nessa memorável regata.


No ano seguinte, em 1906, o Vasco competindo com a mesma embarcação, repete o feito e conquista o bicampeonato no remo - algo nunca conquistado por clube algum até então.

A saída de alguns remadores bicampeões impede o tricampeonato vascaíno em 1907, mas se encontra nesse ano a gênese da rivalidade dos clubes de maiores torcidas do Rio de Janeiro. Na última regata do ano, o Vasco vence cinco provas e uma delas, uma prova de honra dedicada ao Clube de Regatas do Flamengo!

Vale dizer que, apesar de fundado três anos antes e contar com os recursos das famílias mais abastadas moradoras da zona sul da cidade, o Flamengo só conseguiu se tornar campeão no remo 21 anos depois de sua fundação, onze anos depois da primeira conquista vascaína e quando o Vasco já contava com 5 títulos cariocas.

No triênio 1912-13-14, o Vasco mais uma vez se destaca e conquista pela primeira vez na história das regatas cariocas um tricampeonato. Por conta do feito, leva para si de forma definitiva o troféu En Avanti, assinado pelo Mestre francês Antoine Bofill.

Troféu En Avanti


Assombrados pelo estrondoso sucesso do Vasco da Gama e conformados com a impossibilidade de derrotar seus remadores, os demais clubes, com apoio da federação de remo, apelam para a única forma de vencer os cruzmaltinos: estabelecem a chamada lei Hors Concours, que significava excluir da prova máxima qualquer remador que tenha dois ou mais títulos de campeão. Obviamente o clube mais atingido com o novo regulamento foi o Vasco da Gama que se viu impedido de escalar os seus melhores atletas. Por conta desta manobra, em 1915 o Guanabara venceu o campeonato utilizando emprestada uma embarcação vascaína chamada Pereira Passos, e em 1916 finalmente o Flamengo conseguiria o seu primeiro título.

Apenas 20 anos depois de sua fundação, o Vasco da Gama se tornara um gigante do remo carioca. Detentor do maior número de títulos, com 5 êxitos contra 4 do Gragoatá e do Santa Luzia. Flamengo neste período conquistou apenas 2 títulos e o Botafogo apenas 1.

Mas no início da segunda década do século XX, um novo esporte começava a se popularizar, e a comunidade portuguesa não poderia ficar de fora da novidade...