terça-feira, 7 de abril de 2015

Cisões no futebol carioca - parte 1 - O clube da capa-e-espada!

Desde o início deste ano, uma verdadeira guerra de notas oficiais, declarações à imprensa e protestos vem dividindo o espaço das notícias sobre o futebol carioca.
 
Flamengo e Fluminense se uniram contra a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), que conta como aliados os outros clubes grandes, Vasco e Botafogo, num movimento ainda de consequências imprevisíveis.
 
Por Mario Alberto - Blog de Charges - 05/04/2015 
 
 

Segundo o que vem sendo publicado, entre outros objetivos, tricolores e rubro-negros almejam a criação de uma liga independente da federação, o que na prática representaria mais uma cisão no futebol carioca.
 
Sim! Mais uma cisão! Em quatro momentos da história do futebol do Rio de Janeiro aconteceram cisões que, até hoje, ainda exibem feridas e cicatrizes.
 
A primeira delas aconteceu em 1911, durante a sexta edição do campeonato estadual. O jogo Botafogo x América, disputado em 25/06/1911, num clima de violência, estava empatado em 1 x 1, quando Flávio Ramos (o primeiro presidente do Botafogo Football Club), recebeu entrada violenta de Gabriel de Carvalho. Albelardo de Lamare o aconselhou a revidar, o que foi ouvido pelo jogador americano que passou a insultá-lo. Em resposta Abelardo acertou-lhe um bofetão e a confusão se transformou em uma briga generalizada, com o campo da rua Voluntários da Pátria, onde na época o Botafogo mandava os seus jogos, sendo invadido pelos torcedores. A partida chegou a ser reiniciada, mas o placar não se alterou.
 
Antes mesmo de qualquer decisão da Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA), a federação da época, o Botafogo decidiu abandonar a competição, em solidariedade ao seu jogador e artilheiro da conquista do ano anterior.
 
De fato, como punição, Abelardo de Lamare foi suspenso pela LMSA por um ano, enquanto que Gabriel de Carvalho, jogador americano, recebeu punição mais branda com uma suspensão de 30 dias.
 
Por esta postura, o clube alvinegro recebeu do jornalista Mário Filho a alcunha de "clube da capa-e-espada", conforme destaco a seguir de sua coluna publicada no Jornal dos Sports no dia 18/08/1956:
 
"Nada que o atinja e mesmo que não o atinja, mas que ele julgue foi para atingi-lo, é coisinha para ele. Ele devia ter nascido em outra época. É a única flor retardatária de capa-e-espada que surgiu depois dos 1900. Trata-se mais de um Gascão, de um D'Artagnan, sempre pronto a desembainhar a espada. Ouve muito mais a voz do coração do que a da cabeça. Qual era o clube capaz de largar uma Liga, sem outra Liga para ir, por causa da suspensão de um jogador? Aconteceu isso em 1911, justamente no ano em que o Fluminense preferiu perder um time a deixar de ser o que era, isto é, o Fluminense. O Botafogo fez o contrário, para continuar mais Botafogo do que nunca."
 
Este gesto, que poderia ser encarado como apenas uma indisciplina, uma picuinha dos rapazes imberbes do Botafogo, acabou por revelar uma das características mais marcantes do clube alvinegro. Saindo da Liga oficial, correu o risco de perder todos os jogadores que foram campeões no certame do ano anterior, justamente o ano em que revolucionara o futebol carioca. Primeiro finalmente quebrando a hegemonia tricolor, vencedor dos quatro campeonatos anteriores, e segundo sendo campeão com um time de rapazes. Até 1910 era praxe os jogadores usarem bigodes. Mais que estética, significava que para ser jogador de futebol era necessário ser homem feito. Pois o Botafogo foi campeão com um time mirim, dando ao futebol o luxo de ser jovem, rapaz, algo que em seguida os demais clubes passariam a fazer também.
 
Depois de abandonar o campeonato (que acabou sendo vencido pelo Fluminense) e a LMSA, o Botafogo fundou a Associação de Football do Rio de Janeiro (AFRJ), que organizou um campeonato paralelo em 1912, conquistado pelos próprios alvinegros - seu terceiro título carioca pois já havia ganho em 1907 (dividido com o Fluminense) e em 1910. Apesar de ser uma liga de menor expressão, e de ter que disputar jogos em campos muito ruins, como o da rua São Clemente (seu campo na rua Voluntários da Pátria era alugado e tinha sido devolvido em 1911), que ficava perto de uma pedreira (daí o apelido dado a AFRJ de "Liga da Pedreira"), nenhum jogador campeão em 1910 abandonou o clube.
 
Pela LMSA, o campeonato de 1912 (ano da estreia do Flamengo), é vencido pelo Payssandu - único título desse clube ainda existente, mas que atualmente não disputa mais campeonatos profissionais de futebol.
 
A AFRJ teve vida curta e acabou por fundir-se à LMSA em 1913, que nos anos que se seguem acaba por receber uma série de acusações de suborno, tornando insustentável sua permanência na organização do futebol carioca. Então, em 1917, a LMSA é extinta e os clubes criam a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), pacificando de vez o futebol carioca da época.
 
Até que outra cisão aconteceria... Mas isso é tema para o nosso próximo bate-papo.
 
Abelardo de Lamare
 
Botafogo Football Club - Campeão Carioca de 1912 pela AFRJ
 
Paysandu Cricket Club - Campeão Carioca de 1912 pela LMSA

3 comentários:

  1. Maravilha, Kiko! Tema atual! Ou melhor, um tema centenário! Abraço

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  2. Muito bom, meu amigo!!! Bonita referencia ao Fogão, uma camisa forjada em valores muitos legais. Um tema sempre atual!!!

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