sábado, 16 de maio de 2015

Origens - 2.1 - Clube de Regatas do Flamengo: "Na regata, ele me mata, me maltrata, me arrebata, que emoção no coração!"

Entre o final de 1503 e o início de 1504, o navegador português Gonçalo Coelho, abastecia de água a sua expedição na foz de um rio que desaguava numa praia conhecida pelos índios Tamoios como "Sapucaitoba" (literalmente, “lugar onde há muitas sapucaias”). Os portugueses chamavam o local de "Aguada dos Marinheiros".

Gonçalo Coelho


O rio foi logo batizado de rio Carioca por influência dos mesmos índios Tamoios, em função de um feitoria construída no local. Carioca, na língua dos Tamoios, quer dizer casa de branco (cari - branco; oca - casa).

Em 1531, Pero Lopes de Souza, um navegador e nobre português, senhor de Alcoentre - Portugal, irmão mais velho do navegador Matim Afonso de Souza, e que chegara ao Brasil na expedição capitaneada pelo irmão no ano anterior, constrói a primeira casa de pedra na foz do rio Carioca (essa viria a ser a primeira edificação do gênero do continente americano que se tem conhecimento). Tal casa em seguida, serviu de moradia para o primeiro Juiz da cidade - Pedro Martins Namorado, nomeado em 1565 por Estácio de Sá. A casa foi destruída por uma ressaca, mas foi reconstruída no século XVII para servir de morada para o sapateiro Sebastião Gonçalves que ali residiu entre 1606 e 1620. Por isso, a praia onde desaguava o rio Carioca, ficou conhecida como Praia do Sapateiro.

Mas a mesma praia tinha sido alguns anos antes o local escolhido pelo navegador holandês Olivier van Noort para uma tentativa de obter refrescos (suprimentos frescos) para a sua tripulação que sofria com o escorbuto. Sua frota navegava rumo ao oriente e não tinha intenção de invadir o Brasil, mesmo assim teve a sua solicitação negada pelos portugueses. Apesar da negativa, premidos pela necessidade, tentaram mesmo assim desembarcar e foram repelidos por índios e portugueses. Por conta desse fato, a praia também ficou conhecida como praia do Flamengo - termo impropriamente atribuído aos holandeses (na verdade, flamengos formam o principal grupo étnico da Bélgica).

Estátua de Olivier van Noort em Schoonhoven - Holanda


Outras versões sobre a origem do nome Flamengo atribuem ao fato de os prisioneiros holandeses (flamengos) provenientes das invasões ocorridas no século XVII no nordeste brasileiro, se instalarem na mesma praia. Ou ainda pela presença de muitos flamingos na praia.

Com o passar dos anos a praia ficou mais conhecida como Praia do Flamengo e o primeiro sinal de urbanização das cercanias da praia foi a estrada construída para escoar a produção de açúcar do Engenho D'El Rei (que ficava na atual Lagoa) para o porto do Rio de Janeiro.

Com a abertura da avenida Beira-Mar, considerado um dos locais mais belos do mundo, o bairro se desenvolveu de vez e lá foram construídos elegantes prédios e palacetes onde moravam a elite da sociedade carioca.

Desde muito tempo, o povo que se instalou na cidade do Rio de Janeiro, era inclinado à prática de esportes. Com o mar se oferecendo em cenários belíssimos, o remo se apresentou como uma escolha natural. Assistir a uma regata era o programa preferido pela sociedade carioca nas manhãs de domingo do final do século XVIII. Isso conferia aos rapazes praticante deste esporte um status diferenciado, quase sempre bronzeados e fortes, faziam grande sucesso entre as moças cariocas.

Foi neste contexto, que alguns jovens moradores do bairro do Flamengo, cansados de ver a moças da mesma vizinhança preteri-los pelos rapazes de outras (principalmente do bairro vizinho - Botafogo...), decidiram fundar um grupo para a prática do remo.

Em setembro de 1895, José Agostinho Pereira da Cunha convidou seus amigos Mário Spíndola, Augusto da Silveira Lopes e Nestor de Barros, para se reunirem no tradicional restaurante Lamas, no Largo do Machado, para a criação do grupo de regatas.

José Agostinho Pereira da Cunha

Observando o entusiasmo dos jovens envolvidos, o padre Nattuzi procurou o Dr. Lourenço Cunha, pai de José Agostinho, lhe perguntando se não ficava preocupado com tamanho interesse, pois a fama das regatas “não era lá das melhores”. Cunha teria respondido que acreditava no esporte como uma escola de formação e disciplina, uma prática saudável, por isso não se importava.

Mas logo a primeira dificuldade apareceu: como conseguir um barco? Eles então se cotizaram, juntando 400 mil réis e investiram numa antiga baleeira de cinco remos, que se encontrava encostada numa casa na praia do Flamengo.

O segundo passo seria providenciar a reforma da embarcação adquirida, já que a mesma era de segunda mão. Levaram-na de bonde até a praia de Maria Angu (atual praia de Ramos), para que fosse reformada a um preço de 250 mil réis.

Serviço pronto, no dia 6 de outubro à tarde, a embarcação batizada pelo grupo de Pherusa, zarpou da Ponta do Caju com destino à praia do Flamengo. Nos remos os jovens Nestor de Barros, Mario Spínola, José Felix da Cunha, Felisberto Laport, José Agostinho Pereira, Napoleão de Oliveira, Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Leovegildo dos Santos Bahia. 

Pouco tempo depois de iniciada a navegação, o tempo começou a virar e o forte vento virou a embarcação e os remadores caíram no mar. Todos se agarraram como podiam ao casco do barco virado tentando se salvar. Joaquim Leovegildo dos Santos Bahia, exímio nadador, decidiu então se lançar ao mar em busca de ajuda, com a intenção de alcançar a praia mais próxima e levar socorro aos companheiros que ficaram no mar.

Algum tempo depois, já com as condições do tempo melhores, os jovens são avistados e resgatados por uma lancha chamada Leal, que levava passageiros que estavam na Igreja da Penha. A Pherusa foi rebocada até o cais Pharoux, na Praça XV, e todos se salvaram. Mas restava uma preocupação... E o Joaquim Bahia? Que fim tinha levado o amigo que numa atitude desesperada e heroica havia se lançado ao mar em busca de socorro?

Mais tarde souberam que ele tinha conseguido chegar à uma praia da Ilha de Bom Jesus e comunicado o ocorrido ao delegado da 18ª Circunscrição.

Talvez o naufrágio acontecido exatamente na viagem inaugural do grupo de regatas recém formado, seria motivo para que se abandonasse a ideia. Mas os jovens, talvez já imbuídos do que veria a ser o espírito de luta da agremiação que estavam fundando, foram persistentes e novamente juntaram dinheiro para que a baleeira fosse mais uma vez reformada.

Remadores do Flamengo em 1896


Ainda assim, antes mesmo que a embarcação fosse reformada, ela foi roubada e nunca mais se teve notícia dela...

Mais uma vez se reuniram e juntaram recursos para um nova aquisição: compram um nova embarcação, chamada Etoile, a qual rebatizam com o nome de Scyra.

Para concretizarem de vez o projeto de fundar um grupo de regatas, marcam e se reúnem no dia 17 de novembro de 1895, na casa de Nestor Barros que ficava na Praia do Flamengo, número 22.

Nesta reunião, com a participação de José Agostinho Pereira da Cunha, Mario Spínola, Napoleão Coelho de Oliveira, José Maria Leitão da Cunha, Eduardo Sardinha, Carlos Sardinha, Desidério Guimarães, Maurício Rodrigues Pereira e George Leuzinger além do próprio Nestor Barros, fundam o Grupo de Regatas do Flamengo. Augusto Lopes da Silveira, João de Almeida Lustosa e José Augusto Chauréu faltaram à reunião, mas foram também considerados fundadores do grupo.

Além dos citados, também participou da reunião Domingo Marques de Azevedo que acabou sendo eleito o primeiro presidente. O curioso é que ele não fazia parte do grupo de rapazes que idealizaram o clube. Na verdade era um Guarda-Marinha que por acaso passava pelo local e, observando a movimentação no casarão, foi ver do que se tratava e acabou aderindo à ideia.

Na mesma reunião de fundação decidiu-se que as cores do clube seriam o azul (em referência às águas da Baía de Guanabara) e o dourado (em referência às riquezas brasileiras), com o uniforme formado por listas horizontais nessas cores. Também decidiram que a data oficial da fundação seria o dia 15/11/1895, para que as comemorações de aniversário sempre caíssem num feriado (Proclamação da República).

A sede do grupo ficou sendo mesmo o casarão de Nestor de Barros, que posteriormente ficou conhecido como "República da Paz e do Amor", onde os barcos eram guardados.

Antiga sede do Clube de Regatas do Flamengo

Em 1896, pouco mais de um ano depois da fundação, foi necessário alterar as cores do uniforme. Além da dificuldade de se achar e importar da Inglaterra e da França tecidos nesta combinação de cores, a salinidade e o sol desbotavam os uniformes utilizados pelos remadores. As novas cores escolhidas então foram o vermelho e o preto, cores da bandeira do Jockey Club do Rio de Janeiro. Assim o uniforme dos remadores passou a ser composto de camisas com listas horizontais em vermelho e preto, com bermudas pretas e um cinto branco.

Com a Scyra o grupo entrou na sua primeira competição e mais um revés aconteceu... Além de inexperientes, os remadores flamenguistas pouco antes de competir, almoçaram bacalhau à portuguesa e beberam vinho verde à vontade. Resultado: passaram mal durante a competição e o barco bateu na baliza de sinalização e virou. Os remadores acabaram sendo salvos pelos rivais do Botafogo.

Passado esse primeiro vexame, o grupo voltou a competir, mas só conseguia chegar em segundo ou em terceiro lugar. Por conta disso recebeu logo a alcunha de "Clube de Bronze"...

A primeira vitória finalmente ocorreria no dia 05/07/1898, na 1ª Regata do Campeonato Náutico do Brasil, com a embarcação Irerê, uma baleeira de dois remos.

A preocupação com o nacionalismo foi marcante no início do Flamengo. Por exemplo, em 1902, diante do seu crescimento, a diretoria decidiu mudar a denominação da agremiação de Grupo de Regatas do Flamengo para CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO. Ou seja, não optou pela denominação "club" muito comum na época, e logo adotou a versão aportuguesada do termo.

Outra preocupação eram os nomes de batismo de suas embarcações. Apesar de os dois primeiros terem denominações derivadas do grego (Pherusa e Scyra), os demais passaram a ter nomes indígenas como Aymoré, Iaci e Irerê.

O primeiro título estadual no remo tardou a acontecer: somente 21 anos após a fundação, em 1916, quando inclusive o clube já disputava partidas de futebol...

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